Disfunção Sexual

disfunção sexual hiv
Pesquisar
Close this search box.

ARTIGOS

Disfunção Sexual

Por Dr. Richard Portier

em 21 de junho de 2023.

Cada vez mais homens vivendo com HIV (HVHIV) queixam-se de disfunção sexual no meu consultório. As principais são: disfunção erétil, baixa libido e ejaculação precoce. Neste artigo veremos a prevalência desses problemas, quais são suas causas e como tratá-las.

Eu utilizei como referência protocolo Sexual and Reproductive Health 2023 da European Association of Urology e o guideline da European AIDS Clinical Society 11.ª edição.

Prevalência e os fatores associados à disfunção erétil

O artigo “Factors associated with erectile dysfunction diagnosis in men with HIV infection: a case–control study”, publicado na HIV Medicine em março de 2021, nos mostra qual é a prevalência e os fatores associados à disfunção erétil.

Este foi um estudo retrospectivo caso-controle, com participantes masculinos da coorte US Military HIV Natural History Study (NHS). Esta coorte é composta por militares da ativa e beneficiários das Forças Armadas dos EUA. 

Os casos foram definidos como homens com diagnóstico de disfunção erétil após a infecção pelo HIV. Homens com diagnóstico antes da infecção foram excluídos. Os controles foram definidos como participantes da coorte sem diagnóstico de disfunção erétil e foram pareados 2:1 por idade no diagnóstico de HIV e duração do acompanhamento.

Dos 5.682 homens na coorte, 543 tiveram diagnóstico de disfunção erétil, resultando em uma prevalência de 9,6%. A idade média foi de 43 anos. Porém, 488 preencheram os critérios de inclusão do diagnóstico de disfunção erétil após o diagnóstico de HIV e foram pareados com 976 controles.

Na análise univariada, depressão, hipertensão, dislipidemia, diabetes, atraso no início da TARV maior que 4 anos, apneia do sono e tabagismo foram significativamente associados à disfunção erétil.

Na análise multivariada, atraso no início da TARV maior que 4 anos, uso de inibidor de protease maior que 1 ano e apneia do sono foram significativamente associados à disfunção erétil.

O que podemos concluir? Primeiro, que apesar da idade média dos participantes ser baixa, a prevalência de disfunção erétil foi 9,6%, considerada alta, o que condiz com minha suspeita inicial.

Segundo, doenças crônicas como depressão, hipertensão, dislipidemia, diabetes, apneia do sono e tabagismo são cada vez mais frequentes no HVHIV, e são possíveis fatores de risco para o problema. Por isso o diagnóstico dessas doenças, mas principalmente, o tratamento medicamentoso é importante para melhora da queixa. 

Terceiro, todas essas comorbidades estão relacionadas com o excesso de gordura corporal, por isso, parte do tratamento consiste em dieta, treino de força e exercício aeróbico, e suplementação, além de cessar o tabagismo. 

Por fim, o uso de um inibidor da protease, como, por exemplo, o atazanavir e o darunavir, por mais de um ano também está associado a disfunção erétil. Por isso, caso o homem utilize um antirretroviral desta classe, a troca pode ser necessária.

Investigação da causa da disfunção erétil

O primeiro passo na avaliação da disfunção erétil é sempre um histórico médico e sexual detalhado. A história sexual deve incluir informações sobre relações sexuais anteriores e atuais, consumo de pornografia, estado emocional atual, início e duração do problema erétil. Uma descrição detalhada deve ser feita da rigidez e duração das ereções sexualmente estimuladas e das ereções matinais, e dos problemas com desejo sexual, excitação, ejaculação e orgasmo. Questionários psicométricos validados, como o IIEF ou sua versão curta, o SHIM, podem ajudar. 

Como a depressão é um dos fatores de risco, o rastreio deste transtorno também é fundamental. Além disso, é necessário perguntas sobre o sono para o diagnóstico de apneia do sono, principalmente em homens com sobrepeso e obesidade.

O segundo passo são os exames complementares, para o diagnóstico de hipertensão, diabetes, dislipidemia e hipogonadismo. Para isso, solicitamos o MAPA (monitorização ambulatorial de pressão arterial), hemoglobina glicada, glicemia de jejum, colesterol total e frações, triglicerídeos, testosterona total e testosterona livre. Além desses exames, eu solicito a densitometria óssea de corpo inteiro para avaliação do percentual de gordura. 

Caso sejam excluídas as principais causas, uma avaliação com um urologista pode ser necessária, para exames mais específicos.

Tratamento da disfunção erétil

Após o diagnóstico, realiza-se o tratamento específico para a causa da disfunção erétil no HVHIV. Caso seja depressão, hipertensão, dislipidemia, diabetes, hipogonadismo ou apneia do sono, o tratamento específico para essas doenças deve ser realizado. Se há tabagismo, o tratamento para cessá-lo também deve ser prescrito.

Vimos também que uma das causas é o uso de um inibidor da protease, como, por exemplo, o atazanavir e o darunavir, por mais de um ano. Por isso, caso o homem utilize um antirretroviral desta classe, a troca pode ser necessária.

Nos homens com diagnóstico de depressão, ou algum indicativo que a causa possa ser psicológica, a psicoterapia é uma ferramenta importante para a melhora no longo prazo.

Por fim, todas essas comorbidades estão relacionadas com o excesso de gordura corporal, por isso, parte do tratamento consiste na mudança no estilo de vida com dieta, treino de força e exercício aeróbico, e suplementação. 

Porém, a resolução dessas causas pode demorar. Por isso, o tratamento com um inibidor da fosfodiesterase tipo 5 (iF5) pode ser necessário. 

Mas antes da prescrição, deve-se calcular o risco cardiovascular do homem. Caso seja baixo, a prescrição pode ser feita. Homens com risco moderado a alta devem ser avaliados por um cardiologista. 

Dos iF5, dois são amplamente utilizados no Brasil: o sildenafil e o tadalafil. O sildenafil é administrado em doses de 25, 50 e 100 mg. A dose inicial recomendada é de 50 mg, 30 a 60 minutos antes da relação, e deve ser adaptada de acordo com a resposta e dos efeitos adversos, que são geralmente de natureza leve e autolimitada.  

O tadalafil é administrado em doses de 10 e 20 mg. A dose inicial recomendada é de 10 mg, 30 a 60 minutos antes da relação, e deve ser adaptada de acordo com a resposta e os efeitos adversos, que são geralmente de natureza leve e autolimitada. Ele também demonstrou ter um benefício clínico nas funções ejaculatórias em pacientes com disfunção erétil.

A dose diária de 5 mg de tadalafil também foi aprovada e licenciada como monoterapia em homens com sintomas de trato urinário inferior relacionados à hiperplasia prostática benigna, devido à sua capacidade de melhorar significativamente os sintomas urinários. 

Portanto, seu uso pode ser considerado em homens com disfunção erétil e que se queixam destes sintomas, e que desejam se beneficiar de uma única terapia. 

Nos homens que utilizam um inibidor da protease para o tratamento do HIV, utiliza-se o sildenafil 25 mg a cada 48 horas e o tadalafil 5 mg como dose inicial, com dose máxima 10 mg em 72 horas.

Caso não haja melhora com os tratamentos iniciais, o urologista pode utilizar terapias combinadas para o tratamento da disfunção erétil.

Prevalência da baixa libido

A pouca libido também é uma queixa de disfunção sexual frequente em meu consultório. O artigo “HIV-1 status is independently associated with decreased erectile function among middle-aged MSM in the era of combination antiretroviral therapy”, publicado na AIDS em junho de 2018, nos mostra a prevalência deste problema.

Este estudo foi realizado na coorte holandesa AGEhIV, uma coorte comparativo prospectivo em andamento que investiga comorbidades relacionadas à idade e seus determinantes em pacientes vivendo com HIV e controles HIV-negativos. Os participantes vivendo com HIV foram recrutados no ambulatório de HIV do Centro Médico Acadêmico de Amsterdã, do Amsterdam Cohort Studies on HIV/AIDS, enquanto os HIV-negativos na clínica de infecções sexualmente transmissíveis do Serviço de Saúde Pública de Amsterdã. Foi aplicado um questionário com perguntas relacionadas ao desejo sexual.

Dos 399 homens que fazem sexo com homens (HSH) vivendo com HIV, 365 (96,6%) estavam com a carga viral abaixo de 200 cópias/mL e a média de contagem de linfócitos CD4 foi de 560 células/mm3. O baixo desejo sexual foi encontrado em 28 (7%) participantes.

Às principais causas de baixa libido no homem são: deficiência de testosterona, hiperprolactinemia, transtorno depressivo e de ansiedade, conflito no relacionamento, AVC, terapia antidepressiva, epilepsia, síndrome de estresse pós-traumático, insuficiência renal, doença coronariana, insuficiência cardíaca, envelhecimento, fisiculturismo, distúrbios alimentares, disfunção erétil e prostatite/síndrome de dor pélvica crônica.

Como existem diversas causas para o problema, o primeiro passo é realizar o diagnóstico da causa antes do tratamento. 

Tratamento da baixa libido

O tratamento da baixa libido depende da causa. Aqui focarei no tratamento das principais causas: deficiência de testosterona, e transtorno depressivo e de ansiedade.

A deficiência de testosterona, de acordo com protocolo da American Urological Association “Evaluation and Management of Testosterone Deficiency: AUA Guideline” é diagnosticada quando o exame de testosterona total está abaixo de 300 ng/dL. Porém, para realizar o diagnóstico, são necessárias duas medições de testosterona total feitas em ocasiões separadas, ambas realizadas de manhã cedo (entre 7:00 e 10:00).

Após o diagnóstico do hipogonadismo, a terapia de reposição de testosterona (TRT) visa, principalmente, restaurar níveis normais do hormônio e melhorar o sintoma de baixa libido. A testosterona pode ser administrada de forma intramuscular ou transdérmica (gel).

A metanálise “Effects of testosterone on sexual function in men: results of a meta-analysis” publicada pela Clinical Endocrinology demonstrou melhora no número de ereções noturnas, pensamentos e motivação sexual, número de relações sexuais bem-sucedidas, pontuação da função erétil e satisfação sexual geral, no homens que realizaram TRT e que estavam com níveis de testosterona abaixo de 346 ng/dL.

O diagnóstico de transtorno depressivo e de ansiedade é clínico, e eu uso os critérios do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 5ª edição (DSM-5). Porém, precisamos lembrar que os antidepressivos podem afetar negativamente a libido. Por isso precisamos escolher um medicamento com menos efeito na função sexual. 

De acordo com a revisão “Sexual side-effects of antidepressant and antipsychotic drugs” publicada na Current Opinion in Psychiatry em novembro de 2015, todos os antidepressivos com atividade serotoninérgica podem causar disfunção sexual leve a grave, como diminuição da libido, orgasmo retardado ou anorgasmia (>60%) e dificuldades de excitação (30%). Porém, antidepressivos noradrenérgicos, dopaminérgicos ou melatoninérgicos não causam disfunção sexual.

Ainda de acordo com a revisão, atualmente, a bupropiona, um inibidor da recaptação de norepinefrina e dopamina, tem grande evidência mostrando pouca ou nenhuma influência na disfunção sexual. A agomelatina também pode ser uma opção, enquanto a desvenlafaxina, vortioxetina, vilazodona e milnaciprano precisam de estudos adicionais para esclarecer sua influência nos eventos adversos sexuais.

Por fim, podemos não encontrar uma causa orgânica para a queixa, restando, como causa, gestões psicológicas. Por isso, grande parte dos HVHIV com baixa libido precisaram realizar terapia para melhorar o sintoma.

Prevalência da ejaculação precoce

Depois da disfunção erétil e da pouca libido, a ejaculação precoce é a terceira disfunção sexual mais frequente no meu consultório. O artigo “Sexual Dysfunctions Among People Living With HIV With Long- Term Treatment With Antiretroviral Therapy”, publicado na Sexual Medicine em maio de 2022, nos mostra a prevalência deste problema.

Este foi um estudo observacional transversal, realizado em um centro de atendimento ambulatorial de PVHIV altamente conceituado na cidade de São Paulo. Os pacientes foram recrutados em seu acompanhamento médico de rotina, de setembro de 2013 a outubro de 2016. A ejaculação precoce  foi avaliada por meio do IPE (Índice de Ejaculação Precoce) traduzido e adaptado para o contexto brasileiro. 

Entre 171 homens vivendo com HIV, a idade média foi de 50 anos, 91% estavam com a carga viral indetectável e a média de contagem de linfócitos CD4 foi de 621 células/mm3.  O diagnóstico de ejaculação precoce ocorreu em 29 (16,9%) participantes.

O que podemos concluir? Assim como a disfunção erétil, a ejaculação precoce é uma disfunção sexual frequente e que diminuiu a qualidade de vida do HVHIV, pois são mais propensos a relatar baixa satisfação com sua relação sexual, dificuldade de relaxar durante a relação sexual e relação sexual menos frequente. 

No entanto, o impacto negativo vai além do problema sexual. A ejaculação precoce pode ter um efeito prejudicial na autoconfiança e no relacionamento e, às vezes, pode causar sofrimento mental, ansiedade, constrangimento e depressão. 

Apesar das possíveis consequências psicológicas e de qualidade de vida, poucos homens procuram tratamento, pois sentem-se constrangidos.

Tratamento medicamentoso da ejaculação precoce

O  medicamento de primeira linha é o cloridrato de dapoxetina, 30 mg ou 60 mg, uma a duas horas antes da relação sexual. Ele foi eficaz em melhorar o tempo de ejaculação, aumentar o controle ejaculatório, diminuir o estresse e aumentar a satisfação sexual. Este medicamento é um antidepressivo da classe dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina, com poucos efeitos colaterais, incluindo náuseas, diarreia, sede, dores de cabeça e tonturas. Pode ser usado concomitante ao tratamento da disfunção erétil. Porém, é contraindicado nas PVHIV que usam o ritonavir por risco de interação medicamentosa.

Por isso eu uso como primeira linha de tratamento na PVHIV intervenções comportamentais e/ou aconselhamento psicossexual, inibidores seletivos de recaptação de serotonina, antidepressivos tricíclicos, clomipramina ou anestésicos tópicos.

Como a ejaculação precoce está relacionada com o transtorno de ansiedade, eu inicialmente trato este transtorno de saúde mental, com o escitalopram, fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina ou sertralina. Todos possuem eficácia semelhante, porém a paroxetina exerce o atraso ejaculatório mais substancial, por isso escolho, na maioria dos casos, este medicamento associado à terapia.

infectologista curitiba

Dr. Richard Portier

Graduado pela Universidade Positivo, é Médico Infectologista graduado pelo Programa de Residência Médica em Infectologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e Membro da Internacional AIDS Society.

Com grande experiência na saúde das pessoas que vivem com HIV, fez estágio no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e trabalhou na Unidade de Internamento de Infectologia e no Ambulatório de HIV/AIDS do Hospital de Clínicas – UFPR. Hoje possui um consultório privado em Curitiba onde realiza consultas online para todo o Brasil.

Sua missão é melhorar o físico, a saúde e a confiança das pessoas vivendo com HIV. 

Médico Infectologista

CRMPR 32.357

RQE 23.586

Nenhuma informação desta página e dos nossos produtos substitui uma consulta presencial com seu médico. Jamais faça nenhuma mudança no seu tratamento sem antes consultar seu médico ou profissional de saúde. É só ele quem poderá avaliar de perto a sua situação atual e decidir se você está apto ou não à essas alterações. Portanto, é imprescindível que você tenha acompanhamento médico para sua segurança. Se tiver qualquer dúvida, envie um email para richard@richardportier.com que responderemos o mais breve possível. Obrigado!

© 2022 Richard Portier. CNPJ 31.671.711/0001-11. Todos os direitos reservados. Termos de uso.