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ARTIGOS

Rins e o HIV: mitos e verdades

Por Dr. Richard Portier

em 18 de julho de 2020.

Os rins são incríveis filtros do nosso corpo – processam quase 200 litros de sangue todos os dias e filtram quase dois litros de resíduos e água em excesso, que depois se tornam urina. Se os rins não estão funcionando bem, esses resíduos se acumulam no sangue e danificam o corpo.

Também desempenham outros papéis cruciais: regulam os níveis de minerais, produzem o hormônio que estimula a produção de sangue, ajudam a regular a pressão sanguínea e transformam a vitamina D para a sua forma ativa.

Por isso, monitorar sua função renal e manter esses órgãos poderosos em bom funcionamento é essencial para a sua saúde a longo prazo.

Neste artigo você irá aprender como o HIV contribui alterações renais, de forma direta e indireta, e como você pode preveni-las com mudanças nos seus hábitos de vida.

Rins e o HIV

Apesar da terapia anti-retroviral, as pessoas vivendo com HIV (PVHIV) permanecem em maior risco de doenças renais agudas e crônicas, devido à polimorfismos genéticos, a própria infecção pelo HIV e alguns antirretrovirais.

Além disso, como o HIV pode infectar células renais, o rim serve como um reservatório viral.

Nos últimos anos, muito progresso foi feito na elucidação do mecanismo pelo qual o HIV infecta células renais e os fatores virais, e individuais, que promovem o desenvolvimento de doenças renais, principalmente a nefropatia associada ao HIV (NAHIV).

Agora, vamos discutir um a um. E não se assuste com os termos – caso ache complexo ou difícil, leia atentamente e comece a se familiarizar com os termos. Com o tempo, tudo ficará mais fácil. 

Como o HIV infecta as células dos rins?

Vários estudos estabeleceram que o HIV pode infectar células renais in vitro e in vivo, e modelos animais sugerem que algumas proteínas do HIV tem um papel central como causa da nefropatia associada ao HIV.

A infecção pelo vírus no rim se estende além de seu papel na doença renal, porque as tentativas de curar as pessoas precisarão abordar o rim como um local que pode abrigá-lo.

No entanto, as células renais normalmente não expressam os receptores e co-receptores clássicos do HIV, ou seja, a questão de como o vírus entra nas células permanece sem solução.

Ray et al demonstram que a incubação de macrófagos infectados pelo HIV com células renais resultou em infecção.

Hubner et al. demonstraram recentemente que, a transferência do RNA viral e a subsequente ativação das proteínas do HIV aumentaram acentuadamente nas células renais expostas a linfócitos infectados.

Além disso, a transferência do material viral dos linfócitos CD4 para as células renais exigiu contato estável célula-célula. Portanto, é provável que a infecção pelo HIV nas células renais seja iniciada por transferência de leucócitos.

Outro grupo demonstrou recentemente que células renais podem absorver linfócitos destruídos e infectados pelo HIV in vitro.

O papel das proteínas do HIV no processo inflamatório

Tat e Vpr são proteínas virais que têm papéis importantes no ciclo de vida do HIV, e no processo inflamatório crônico desencadeado pelo vírus.

Enquanto a Tat induz citocinas pró-inflamatórias, o Vpr causa autodestruição celular (apoptose).

Toda essa expressão de vários mediadores pró-inflamatórios são mediadas pelo fator nuclear kappa B.

Lembre-se: a terapia antirretroviral é a melhor forma de suprimir todos os eventos descritos.

Susceptibilidade genética à nefropatia associada ao HIV

Desde a primeira descrição da nefropatia associada ao HIV em 1984, há uma predileção para pessoas de ascendência africana para a doença renal.

A recente descoberta de que polimorfismos genéticos na apolipoproteína L1 (APOL1), localizada no cromossomo 22, explicam a maior parte da suscetibilidade genética dos negros a várias formas de doença renal não diabética, incluindo o NAHIV.

Ou seja, pessoas que possuem duas cópias de um alelo APOL1 têm um risco 50% maior de desenvolver NAHIV na ausência da terapia anti-retroviral em comparação com pessoas com zero ou um alelo de risco.

No entanto, apesar dessa forte associação, o mecanismo pelo qual esses polimorfismos conferem risco permanece desconhecido.

Além disso, alguns investigadores encontraram evidências de aumento do risco associado a polimorfismos MYH9.

Os antirretrovirais

Quando se fala em rim, com certeza se fala em tenofovir.

Embora seja bem tolerado, aproximadamente de 0,7 a 10% das pessoas podem desenvolver alterações renais induzidas pelo tenofovir, incluindo aumento da excreção de proteínas e/ou hiperfosfatúria (perda de fosfato pela urina).

Isso acontece devido a lesão causada pelo tenofovir na mitocôndria da célula renal e demonstrado pela observação em biópsias renais de pessoas com nefrotoxicidade ao tenofovir – essas mitocôndrias estavam inchadas com perda proeminente de crista, assim, perdendo suas funções e aumentando o estresse oxidativo.

Já os inibidores de protease são pouco solúveis em solução aquosa e, portanto, podem criar cristais, que causam pedra no rim.

Relatou-se que o indinavir estava associado a várias doenças renais agudas e/ou crônicas, incluindo nefrolitíase, insuficiência renal aguda devido à obstrução tubular aguda por cristais e nefrite tubulointersticial crônica devido à oclusão crônica dos túbulos renais por cristais.

Associou-se ao atazanavir o aumento do risco de nefrolitíase e ao desenvolvimento de doença renal crônica em alguns estudos, porém foi atenuado em pessoas que pararam de tomá-lo, sugerindo que o dano é reversível.

Outros medicamentos e drogas

Muitos outros medicamentos e drogas causam problemas renais, como anti-inflamatórios não esteróides (AINEs), alguns antibióticos, diuréticos, aciclovir ou valaciclovir intravenoso, o antifúngico anfotericina B, alguns suplementos para perda de peso, cocaína, heroína e anfetaminas, entre muitos outros.

Além disso, medicamentos que normalmente não causam danos nos rins, podem interagir uns com os outros e, assim, causar danos. Por isso é tão importante que o seu médico e farmacêutico conheçam todos os medicamentos e drogas que você está tomando e usando.

Tabagismo e álcool

O tabagismo é um fator de risco para doença renal.

Quando consumido em grandes quantidades, o álcool também pode danificar os rins.

Pressão alta e diabetes

Pressão alta e diabetes são as duas principais causas de insuficiência renal no mundo.

Hepatite C

A infecção pela hepatite C pode danificar não apenas o fígado, mas também os rins. As PVHIV co-infectadas com hepatite C têm um risco aumentado de doença renal crônica e insuficiência renal.

Diagnosticando alterações renais

Alterações na função renal raramente causam sinais e sintomas. O corpo pode funcionar muito bem com apenas 50% da função renal normal. É por isso que muitas pessoas doam um rim.

No entanto, os sintomas surgem quando a função renal cai para menos de 25%. Quando cai para 10 a 15%, é necessário hemodiálise até que o transplante renal aconteça.

Os sintomas que ocorrem durante a insuficiência renal aguda ou crônica são:

  • Pouco volume da urina ao urinar.
  • Necessidade de urinar com mais ou menos frequência.
  • Cansaço ou sonolência.
  • Perda de apetite, náusea e vômito.
  • Inchaço nas mãos ou pés.
  • Sensação de coceira ou dormência.
  • Dificuldade de concentração.
  • Cãibras.
  • Palidez.

Se você sentir algum destes sintomas, procure atendimento médico urgente.

Para rastrear danos nos rins, seu médico irá solicitar, a cada 6 meses, os exames de creatinina, ureia e uma amostra de urina.

Pedras nos rins

Pedras nos rins são um problema diferente, não relacionado a danos renais crônicos. Se você já deve, assim como eu, sabe da dor intensa causada por essas pequenas pedras.

Uma pedra no rim é uma massa sólida composta por pequenos cristais que se unem, formando pedras tão pequenas como um grão de sal ou tão grande quanto um limão. Uma ou mais pedras podem sair do rim, e migrar para o ureter, causando a cólica renal.

Pessoas que não bebem líquidos suficientes têm maior probabilidade de desenvolver pedras nos rins.

Sabe-se também que alguns antirretrovirais causam cálculos renais, como o indinavir e, muito menos frequente, o atazanavir.

Os sintomas incluem:

  • Dor intensa que começa subitamente e pode desaparecer de repente, como uma cólica. Sente-se a dor na região lombar, nas laterais ou na barriga e também pode ser sentida na região da virilha.
  • Micção difícil ou dolorosa ou incapacidade de urinar.
  • Urina escura
  • Náusea e vômito.

Se você desenvolver esses sintomas, vá imediatamente para o pronto atendimento.

Protegendo os seus rins

Acredite, você pode fazer muito para manter os seus rins saudáveis – seu corpo filtrará e expelirá resíduos adequadamente e produzirá os hormônios para ajudar seu corpo a funcionar.

Aqui estão diversas dicas práticas para você iniciar hoje:

Faça o tratamento

Apesar das evidências demonstrarem que os antirretrovirais podem causar hiperglicemia, no longo prazo, a inflamação crônica, o estresse oxidativo, as alterações hormonais e a AIDS – todos causados pelo HIV – serão muito piores.

Por isso mantenha-se aderente e nunca abandone seu tratamento. Hoje, os antirretrovirais modernos causam muito menos efeitos colaterais do que os antigos.

Faça o acompanhamento médico

A única forma de você saber se algo está dando errado no seu tratamento, ou se você desenvolveu alguma alteração renal, é através dos exames de rotina e o acompanhamento médico.

Seu médico irá solicitar exames de sangue, como a creatinina e a ureia, e uma amostra de urina, para avaliar alguma lesão renal.

E caso seja necessário, realizar a troca do antirretroviral.

Exercite-se regularmente

A atividade física regular diminui o risco de desenvolver doença renal crônica. Também reduz a pressão sanguínea, equilibra sua glicemia e melhora a saúde do seu coração, que são importantes para prevenir danos nos rins.

Se você já tem problemas renais, converse com o seu médico sobre o que é apropriado para você antes de iniciar um programa de exercícios.

Se você estiver liberado, planeje-o.

Você deve ter como objetivo 150 minutos de atividade aeróbica moderada (ou 75 minutos de atividade aeróbica vigorosa) toda semana.

Uma maneira de fazer os 150 minutos recomendados é fazer 30 minutos em cinco dias por semana. Isso inclui atividades como caminhar rapidamente, correr, dançar, nadar, praticar esportes e andar de bicicleta.

Além disso, faça treinamento de força progressivo em dois ou mais dias da semana. O exercício de fortalecimento muscular inclui musculação ou crossfit.

Controle sua glicemia

Por falar em glicemia, a diabetes e a resistência à insulina podem causar danos nos rins, sendo uma das principais causas de insuficiência renal no Brasil. 

Quando as células do seu corpo não conseguem usar a glicose no seu sangue, seus rins são forçados a trabalhar mais para filtrá-lo. Após anos de esforço, isso causa dano renal.

No entanto, se você controlar a glicemia, reduzirá bastante o risco. Além disso, se o dano for detectado precocemente, seu médico tomará medidas para reduzir ou evitar danos adicionais.

Você diminui sua glicemia mudando seus hábitos de vida, como:

  • Alimentação saudável.
  • Exercícios físicos.
  • Controle do peso.
  • Limitar o consumo de álcool.
  • Abandonar o uso de drogas e o tabagismo.

Monitore sua pressão arterial

Além da diabetes, a pressão alta também causa danos nos rins, e também é uma das principais causas de insuficiência renal no Brasil. E caso ocorra com outros problemas de saúde, como a própria diabetes, doenças cardíacas ou colesterol alto, o dano é ainda maior.

Por isso você precisa monitorar sua pressão arterial nas consultas médicas e fazer alterações nos hábitos de vida, como:

  • Alimentação saudável.
  • Exercícios físicos.
  • Controle do peso.
  • Evitar o estresse.
  • Limitar o consumo de álcool.
  • Abandonar o uso de drogas e o tabagismo.

E, caso seja necessário, utilizar anti-hipertensivo.

Mantenha um peso saudável

Pessoas com sobrepeso ou obesidade estão em risco para diversos problemas de saúde que danificam os rins, como a pressão alta, diabetes, doenças cardíacas e colesterol alto.

Ou seja, quanto mais gordura você perder, mais benefícios terá. Se você é homem, coloque como meta alcançar 19% de percentual de gordura. Se é mulher, 24%.

Beba bastante água

Não há mágica por trás do clichê de beber oito copos de água por dia, mas é uma boa meta porque incentiva a se manter hidratado. A ingestão regular e consistente de água é saudável para os rins.

A água ajuda a eliminar sal e toxinas. Também reduz o risco de doença renal crônica.

Procure beber pelo menos de 1,5 a 2 litros por dia. Porém, a quantidade exata depende muito da sua saúde e estilo de vida. Fatores como clima, exercícios, sexo, saúde geral e se você está ou não grávida ou amamentando são importantes ao planejar sua ingestão diária de água.

Se você já teve pedras nos rins, beba um pouco mais para ajudar a evitar depósitos de cristais.

E lembre-se: água, chá ou café. Todos os outros líquidos devem ser evitados.

Pare de fumar

Fumar danifica os vasos sanguíneos do seu corpo. Isso leva a um fluxo sanguíneo mais lento nos rins.

Além disso, fumar também aumenta sua chance de câncer nos rins. Se você parar de fumar, seu risco cairá.

Por isso, pare de fumar.

Cuidado com os medicamentos sem receitas

Se você toma muitos analgésicos, está causando danos nos seus rins. Os anti-inflamatórios não esteróides, como o ibuprofeno, diclofenaco, nimesulida e naproxeno podem danificar os rins se você os toma regularmente para qualquer tipo de dor.

Cuidado com os medicamentos sem receitas. Sempre converse com o seu médico sobre quais são os ideais para você, principalmente se está em uso do tenofovir.

infectologista curitiba

Dr. Richard Portier

Graduado pela Universidade Positivo, é Médico Infectologista graduado pelo Programa de Residência Médica em Infectologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e Membro da Internacional AIDS Society.

Com grande experiência na saúde das pessoas que vivem com HIV, fez estágio no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e trabalhou na Unidade de Internamento de Infectologia e no Ambulatório de HIV/AIDS do Hospital de Clínicas – UFPR. Hoje possui um consultório privado em Curitiba onde realiza consultas online para todo o Brasil.

Sua missão é melhorar o físico, a saúde e a confiança das pessoas vivendo com HIV. 

Médico Infectologista

CRMPR 32.357

RQE 23.586

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