Por Dr. Richard Portier
em 18 de julho de 2020.
Quando comemos, nosso corpo converte o carboidrato dos alimentos em um tipo específico de açúcar – a glicose – que é transportada para as células do corpo, fornecendo a energia necessária para o seu funcionamento.
Porém, ter muita glicose no sangue – condições chamadas de resistência à insulina (pré-diabetes) e diabetes – causa graves problemas na saúde e na vida.
Por isso você precisa evitá-las. Mas caso já tenha desenvolvido, é possível controlá-las, principalmente através da alimentação, exercícios físicos, e para algumas pessoas, medicamentos.
Neste artigo você irá aprender qual a incidência da diabetes nas pessoas vivendo com HIV (PVHIV), quais os fatores de risco, como diagnosticá-las e como você pode preveni-las e tratá-las com mudanças nos seus hábitos de vida e medicamentos.
Usarei como referência o livro “Endocrinologia clínica”, 7.ª edição e o guideline da European AIDS Clinical Society, 11.ª edição, além de outros artigos específicos.
Quando a glicemia aumenta no sangue após a ingestão de carboidratos, o pâncreas libera um hormônio chamado insulina, que transporta a glicose para dentro das células dos músculos, gordura e fígado, onde será usada como energia.
A resistência à insulina ocorre quando as células dos músculos, gordura e fígado não respondem bem ao hormônio e não conseguem absorver facilmente a glicose do sangue. Como resultado, seu pâncreas produz mais insulina para ajudar a glicose a entrar nas células.
Enquanto seu pâncreas puder produzir insulina suficiente para superar a fraca resposta das suas células, seus níveis de glicose no sangue permanecem normais.
Porém, em um determinado momento, o pâncreas entra em exaustão e deixa de produzir a insulina. Isso é chamado de diabetes.
Como a pessoa não tem insulina para retirar o glicose do sangue, esta se eleva e resulta em hiperglicemia, que em períodos prolongados, traz danos aos órgãos, vasos sanguíneos e nervos.
Existem três tipos de diabetes:
Um número crescente de PVHIV têm desenvolvido a diabetes tipo 2. O artigo “Trends in diabetes incidence and associated risk factors among people with HIV in the current treatment era”, publicado na revista AIDS em novembro de 2022, nos mostra qual é a incidência e os fatores de risco para desenvolvê-la.
Este foi um estudo retrospectivo, de coorte, realizado com pessoas vivendo com HIV de uma clínica do sudeste dos EUA entre 2008 até 2018.
Foram avaliados, através do prontuário eletrônico, as PVHIV que compareceram, pelo menos, a duas consultas médicas. Definiram diabetes como: hemoglobina glicada ≥6,5% e/ou 2 resultados de glicose >200 mg/dl (com pelo menos 30 dias de intervalo); diagnóstico descrito no prontuário; ou uso de medicamentos para o tratamento.
Entre 4113 PVHIV, identificaram 252 casos de diabetes. A incidência aumentou de 1,04 por 1.000 pessoas-ano em 2008 para 1,55 por 1.000 pessoas-ano em 2018.
Índice de massa corporal aumentado, doença hepática, exposição à esteróides anabolizantes e uso de inibidores da integrase foram associados ao maior risco de desenvolver diabetes.
O que podemos concluir? Primeiro, que a incidência de diabetes está aumentando. Neste estudo, aumentou de 1,04 por 1.000 pessoas-ano para 1,55 por 1.000 pessoas-ano em 10 anos. No estudo “Comorbidities and co-medications among 28 089 people living with HIV: A nationwide cohort study from 2009 to 2019 in Japan”, publicado na HIV Medicine em novembro de 2021, entre 28089 PVH, 42,8% tinham diabetes.
Segundo, esse aumento da incidência e a grande prevalência podem ser explicadas pelos dois principais fatores de risco. Hoje, aproximadamente 60% das PVH estão com excesso de gordura e a maioria faz tratamento com inibidores da integrase, como o dolutegravir. Nos homens vivendo com HIV também é frequente o uso de esteróides anabolizantes, outro fator de risco.
A resistência à insulina não causa sintomas. Porém, a diabetes sim. Estes são os sinais e sintomas do diabetes:
Se você está sentindo estes sintomas, converse com o seu médico.
O diagnóstico requer dois resultados anormais de glicemia em jejum (GJ), hemoglobina glicada (HbA1c) ou teste oral de tolerância à glicose (TOTG) na mesma amostra ou em duas amostras separadas. Caso os resultados sejam discordantes em testes diferentes, deve ser repetido o teste que estiver alterado.
Glicemia em jejum
A GJ é o meio mais prático para o diagnóstico. Dois valores superiores ou iguais a 126 mg/dL, obtidos em dias diferentes, são suficientes para estabelecer o diagnóstico de diabetes II.
Níveis entre 100 e 125 mg/dL caracterizam glicemia de jejum alterada, sendo necessário realizar o exame de TOTG.
Teste oral de tolerância à glicose
No TOTG, coleta-se uma amostra em jejum e depois administra-se, via oral, 75 g de glicose anidra dissolvidos em 250 a 300 mL de água. Após duas horas, obtém-se uma nova amostra de glicemia.
Nível de glicemia de 2 horas igual ou acima de 200 mg/dL é considerado diabetes II. Entre 140 e 199 mg/dL, resistência à insulina.
Hemoglobina glicada
Para interpretar o resultado da Hb1Ac, é necessário considerar vários fatores. Não se deve usá-lo como diagnóstico na presença de hemoglobinopatias, aumento da produção eritrocitária e disfunção hepática ou renal grave. Valores falsamente altos ocorrem sob suplementação com ferro, vitamina C e E, bem como em idosos (idade acima de 70: HbA1c + 0,4%). O uso de abacavir no tratamento da PVHIV tende a diminuir os valores falsamente.
Valor igual ou acima de 6,5% é considerado diabetes II. Entre 5,7% e 6,4%, resistência à insulina.
Critérios diagnósticos para diabetes II:
Critérios diagnósticos para resistênca à insulina:
Acredite, você pode fazer muito para manter a sua glicose baixa no sangue, independentemente se ela está aumentada ou não.
Aqui estão diversas dicas práticas para você iniciar hoje:
A glicemia em jejum e a hemoglobina glicada são exames solicitados rotineiramente para as PVHIV.
Além disso, baixos níveis de testosterona e vitamina D estão associados à resistência à insulina.
Quanto mais cedo você realizar o diagnóstico, mais cedo irá iniciar o tratamento e as mudanças no estilo de vida.
Ao comer muitos alimentos açucarados e carboidratos refinados, você está se colocando em risco para desenvolver a diabetes.
A metanálise “Glycemic index, glycemic load, and chronic disease risk- a meta-analysis of observational studies“, publicado na American Journal of Clinical Nutrition em 2008, constatou que pessoas com maior consumo de carboidratos de digestão rápida tinham 40% mais chances de desenvolver diabetes do que aquelas com menor consumo.
Por isso, diminua o consumo de açúcar e carboidratos refinados da sua alimentação.
Realizar atividade física regularmente ajuda a prevenir e tratar o diabetes.
O exercício aumenta a sensibilidade à insulina das células. Portanto, quando você se exercita, menos insulina é necessária para manter sua glicemia sob controle, pois seus músculos irão absorver a glicose.
Se você já está com diabetes, converse com o seu médico sobre o que é apropriado antes de iniciar um programa de exercícios.
Se você estiver liberado, planeje-o.
Você deve ter como objetivo 150 minutos de atividade aeróbica moderada (ou 75 minutos de atividade aeróbica vigorosa) toda semana.
Uma maneira de fazer os 150 minutos recomendados é fazer 30 minutos em cinco dias por semana. Isso inclui atividades como caminhar rapidamente, correr, dançar, nadar, praticar esportes e andar de bicicleta.
Além disso, faça exercícios de fortalecimento muscular em dois ou mais dias da semana. O exercício de fortalecimento muscular inclui musculação ou crossfit.
Embora nem todas as PVHIV com diabetes tipo 2 estejam com sobrepeso ou obesos, a maioria está.
Além disso, aqueles com resistência à insulina tendem a ter excesso de gordura na barriga e nos órgãos abdominais, como o fígado. Isso é conhecido como esteatose hepática.
O excesso de gordura visceral promove a inflamação e a resistência à insulina, o que aumenta significativamente o risco de diabetes.
Ou seja, quanto mais gordura você perder, mais benefícios terá. Se você é homem, coloque como meta alcançar 19% de percentual de gordura. Se é mulher, 24%.
Comer bastante fibras será essencial para o controle do peso e da glicemia.
A fibra pode ser dividida em duas grandes categorias: solúvel e insolúvel. A fibra solúvel absorve a água, enquanto a fibra insolúvel não.
No trato digestivo, a fibra solúvel e a água formam um gel que diminui a velocidade com que os alimentos são absorvidos. Isso leva a um aumento mais lento dos níveis de açúcar no sangue, ajudando na resposta do corpo à insulina.
Já a fibra insolúvel tem sido associada a reduções nos níveis de açúcar no sangue e a uma diminuição do risco de diabetes, embora não seja claro exatamente como funciona.
Por isso, coma bastante vegetais. Porém se você não está comendo o suficiente, suplementar com psyllium pode ser uma boa opção.
O cigarro, o uso de álcool, drogas e esteróides anabolizantes são fatores de risco para desenvolver a diabetes. Portanto, cesse o uso.
Além da mudança nos hábitos de vida, o tratamento medicamentoso pode ser necessário.
Hoje contamos com diversos medicamentos com diferentes mecanismos de ação, como as biguanidas, sulfonilureias (SU), inibidores da DPP-4, glinidas, glitazonas, inibidores da α-glicosidase e inibidores do cotransportador 2 de sódio e glicose (iSGLT-2), agonistas do receptor GLP1-1 (GLP-1RA) e insulinas.
O tratamento inicial de escolha é a metformina, além da mudança nos hábitos de saúde. Se o controle glicêmico permanecer inadequado (HbA1Ac > 7% ou acima da meta estipulada) após 3 meses de tratamento, adiciona-se um segundo medicamento de acordo com a característica e necessidade do paciente. Na presença de um descontrole glicêmico maior (diagnóstico com a HbA1Ac > 7,5%), a terapia dupla pode ser considerada inicialmente.
Se a prioridade for a perda de gordura corporal, utiliza-se preferencialmente um GLP-1RA. Se apresentar insuficiência cardíaca ou insuficiência renal crônica, um iSGLT-2. Em caso de alto risco cardiovascular, um GLP-1RA com evidência de benefício cardiovascular. Diante de limitações econômicas, uma glitazona ou um DPP-4.
A seguir estão as principais informações de cada classe de medicamentos:
Metformina:
Glibenclamida:
Glicazida:
Glimepirida:
Pioglitazona:
Vildagliptina (Galvus®):
Sitagliptina (Januvia®):
Saxagliptina (Onglyza®):
Linagliptina (Trayenta®):
Alogliptina (Nesina®):
Canagliflozina (Invokana®):
Dapagliflozina (Forxiga®):
Empagliflozina (Jardiance®):
Liraglutina (Victoza® e Saxenda®):
Dulaglutida (Trulicity®):
Semaglutina (Ozempic®):
Essas são as metas do tratamento pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia:
Metas mais rigorosas (HbA1Ac) ≤ 6,5%, se alcançáveis com segurança, devem ser vislumbradas para pacientes com curta duração de doença e longa expectativa de vida, sem doença cardiovascular significativa. Isso vale para a maioria das pessoas vivendo com HIV.
Graduado pela Universidade Positivo, é Médico Infectologista graduado pelo Programa de Residência Médica em Infectologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e Membro da Internacional AIDS Society.
Com grande experiência na saúde das pessoas que vivem com HIV, fez estágio no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e trabalhou na Unidade de Internamento de Infectologia e no Ambulatório de HIV/AIDS do Hospital de Clínicas – UFPR. Hoje possui um consultório privado em Curitiba onde realiza consultas online para todo o Brasil.
Sua missão é melhorar o físico, a saúde e a confiança das pessoas vivendo com HIV.
Nenhuma informação desta página e dos nossos produtos substitui uma consulta presencial com seu médico. Jamais faça nenhuma mudança no seu tratamento sem antes consultar seu médico ou profissional de saúde. É só ele quem poderá avaliar de perto a sua situação atual e decidir se você está apto ou não à essas alterações. Portanto, é imprescindível que você tenha acompanhamento médico para sua segurança. Se tiver qualquer dúvida, envie um email para richard@richardportier.com que responderemos o mais breve possível. Obrigado!
© 2022 Richard Portier. CNPJ 31.671.711/0001-11. Todos os direitos reservados. Termos de uso.