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ARTIGOS

Quais suplementos as pessoas vivendo com HIV precisam suplementar?

Por Dr. Richard Portier

em 22 de agosto de 2022.

Se você me acompanha a algum tempo, sabe que sou contra a prescrição de inúmeros suplementos. Por quatro motivos. Primeiro, porque não existem evidências científicas robustas para a prescrição. Ou seja, não sabemos se funcionam ou não. Segundo, porque são caros. Eu não gosto de rasgar o meu dinheiro com coisas que não funcionam. Terceiro, o que transforma um físico é o trabalho duro de longo prazo, através de dieta, treino de força e exercício aeróbico. Quarto, eu não acredito em atalhos, macetes, diquinhas, esquemas revolucionários, suplementos da moda.

Dito isso, neste artigo nós vamos ver os principais suplementos que prescrevo para os meus pacientes vivendo com HIV.

Óbvio que existem situações específicas em que a suplementação será contraindicada, mas para a pessoa vivendo com HIV com carga viral indetectável, contagem de linfócitos CD4 estáveis e sem outras doenças crônicas, utilizar os suplementos sugeridos neste artigo são seguros. Não causam sobrecarga nos órgãos (rins e fígados são as maiores preocupações), nem cortam os efeitos dos antirretrovirais.

Creatina

Uma das perguntas mais frequentes entre as pessoas que vivem com HIV é sobre a creatina. Pode ou não pode suplementar? Interfere no tratamento? Por que tantos médicos falam que “sobrecarrega” o rim?  Vamos responder todos esses questionamentos, explicando a fisiologia da creatina no nosso corpo e o que as evidências científicas nos mostram.

Primeiramente, você precisa saber que a creatina é um dos suplementos mais estudados na medicina e é o que mais possui evidências científicas no ganho de força e massa muscular. Porém, existem diversos mitos relacionados à segurança da creatina, principalmente relacionados ao rim

Essa confusão acontece, pois, nosso corpo produz a creatina a partir de aminoácidos e encontra-se principalmente nas nossas células musculares. Porém, 95% da creatina do corpo está armazenada na forma de fosfocreatina. 

Quando nosso músculo precisa de energia, transforma a fosfocreatina em ATP, que é a molécula de energia utilizada pelas nossas células musculares. Quanto mais força, mais ATP será produzido a partir da creatina. 

Mas é aqui que acontece a confusão: quando nosso corpo transforma a fosfocreatina em ATP, o resultado dessa conversão é a creatinina. Creatinina que é o exame que utilizamos para detectar problemas renais.

Resumindo: uma pessoa que suplementa creatina pode aumentar seus níveis de creatinina, mas isso não é um problema renal. Significa que houve um acúmulo de creatinina devido ao aumento da transformação de fosfocreatina em ATP. É um problema de acúmulo, não dos rins. Por isso, homens que suplementam creatina terão níveis de creatinina entre 1,2 e 1,5. E isso é normal e aceitável.

No estudo “Creatine fails to augment the benefits from resistance training in patients with HIV infection: a randomized, double-blind, placebo-controlled study”, PVHIV suplementaram creatina. Quatro delas apresentaram aumento de creatinina, e quando o suplemento foi suspenso, seus níveis voltaram ao normal após algumas semanas. Ou seja, o aumento de creatinina não foi por lesão renal, mas sim por uma conversão excessiva.

A International Society of Sports Nutrition no artigo “International Society of Sports Nutrition position stand: safety and efficacy of creatine supplementation in exercise, sport, and medicine” fez um parecer positivo sobre a segurança do suplemento.

Porém, existem diversos tipos de creatina no mercado. Veja cinco dicas sobre a creatina:

  1. Se você não está realizando exercício físico de força, nem adianta suplementar. A creatina é uma fonte de energia para os seus músculos. Se você é sedentário, e não faz força, seus músculos não precisam de mais energia. 
  2. Sempre avise o seu médico que está suplementando a creatina. Como explicado, o uso da creatina pode aumentar a creatinina no exame de sangue, causando confusão.
  3. Comece com uma dose de dois gramas e aumente, conforme necessidade e o seu exame de creatinina. Use no máximo cinco gramas por dia.
  4. Pode ser usada em qualquer horário do dia, já que ela é cumulativa. Por isso, deve ser utilizada todos os dias, mesmo nos dias de descanso.
  5. De preferência a creatina monoidratada e micronizada, pois tem uma absorção melhor no intestino.

Whey protein

Assim como a creatina, existe uma grande dúvida sobre o uso de whey protein nas PVHIV. Por que suplementar? Qual hora do dia usar? Sobrecarrega os rins? Interage com o dolutegravir?

O whey protein é a proteína do soro do leite concentrada. É uma proteína de alta qualidade, rica em aminoácidos essenciais, principalmente BCAA. É de absorção rápida e com maior potencial para aumentar a síntese proteica muscular, devido ao alto teor de leucina (3g por dose). Por isso, serve de matéria-prima para o nosso corpo criar novas fibras musculares e aumentar a massa muscular.

Mas para um bom aproveito, escolher um dos três tipos é fundamental, já que são diferentes de acordo com o seu processamento:

  • Concentrado: 80% de proteína; contém o maior teor de lactose.
  • Isolado: 90% de proteína ou mais; contém menos lactose.
  • Hidrolisado: pré-digerido para ser absorvido mais rapidamente.

Não existem estudos que demonstram vantagens para ganho de massa muscular quando os três tipos são comparados entre si. Porém, o isolado é melhor tolerado por intolerantes à lactose. Enquanto o hidrolisado é melhor tolerado em pessoas com alergia às proteínas do leite ou quem apresenta problemas de digestão.

Geralmente uma dose de whey possui entre 20 a 30 gramas de proteína. Então, se você precisa de 120 gramas de proteínas por dia, uma dose de whey corresponderá a 25 gramas dessas 120. O restante será preenchido por outras fontes, como carne, frango, peixes e ovos.

O melhor horário para tomá-lo é o que se encaixa na sua rotina. Porém, tente dar preferência para antes ou pós-treino.

Sobre a segurança do uso em PVHIV, é seguro. Todos os estudos a seguir demonstram que a suplementação não sobrecarrega os rins, ou qualquer outro órgão.

Em relação ao dolutegravir, o whey protein não interage com o antirretroviral. Existe, na bula do dolutegravir, a indicação para tomar suplementos que contenha cálcio com seis horas de diferença entre eles. Porém, o estudo que demonstrou essa interação era com 1200 mg de carbonato de cálcio, uma dose muito alta. No whey encontramos aproximadamente 250 mg de cálcio em uma dose (muito semelhante a 200 ml de leite), muito menor do que a quantidade do estudo. Por isso, eu posso afirmar que não interage.

Ômega-3

Apenas pessoas vivendo com HIV com hipertrigliceridemia, ou seja, triglicerídeos alto, maior que 150 mL/dL, precisam suplementar ômega-3. Duas metanálise, “Effect of Omega-3 Polyunsaturated Fatty Acids Treatment on Lipid Pattern of HIV Patients: A Meta-Analysis of Randomized Clinical Trials” e “Effectiveness of n-3 fatty acids in the treatment of hypertriglyceridemia in HIV/AIDS patients: a meta-analysis” demonstraram melhora dos valores com o suplemento.

Mas o que você precisa saber é que dentro do ômega-3 destacam-se dois ácidos graxos: o eicosapentaenoico (EPA) e o docosa-hexaenoico (DHA). Encontramos ambos na natureza em peixes gordurosos, como o atum, a sardinha e o salmão. Porém, não na quantidade terapêutica. Por isso é necessário suplementar para baixar os níveis de triglicerídeos.

No entanto, existem centenas de produtos disponíveis no mercado. Nem todos eles possuem a quantidade certa de EPA e DHA, e muitos são de baixa qualidade. Por isso, veja a seguir para comprar o ômega-3 certo:

  • Sempre veja o rótulo para verificar os tipos de ácidos graxos disponíveis no produto. Muitos suplementos contêm pouco ou nenhum EPA e DHA. Certifique-se que o produto contenha-os. Compre aquele com aproximadamente 1g de EPA ou 1g de DHA.
  • Na embalagem do produto pode estar escrito dessa forma “Contém 1.000 mg de ômega-3 por cápsula”. No entanto, no verso, você pode encontrar uma quantidade insuficiente de EPA e o DHA, por exemplo, apenas 160 mg de cada. Fuja desse.
  • Compre produtos que possuem padrão de pureza ou um selo de autenticidade. Estes são seguros e de qualidade.
  • Os ômega-3 tendem a ficar rançosos. Quando estragam, cheiram mal e se tornam menos potentes ou mesmo prejudiciais. Sempre verifique a data de validade e cheire o produto.
  • Tente comprar produtos certificados com selos de sustentabilidade. Peixes pequenos com expectativa de vida curta tendem a ser mais sustentáveis.
  • Se você é vegano, existem produtos com fonte de ômega-3 vem de algas marinhas. Procure-os. 
  • Utilize sempre junto com uma boa refeição.

Vitamina D

Todas as PHVIV com o diagnóstico de deficiência ou insuficiência de vitamina D, algo prevalente nessa população, precisam suplementar vitamina D. O protocolo da European AIDS Clinical Society, 11.ª edição, relata estudos que demonstraram até 80% de deficiência ou insuficiência de vitamina D nas PVHIV.

Como a vitamina D age como um hormônio no nosso corpo, quando estamos com níveis baixos, é como se estivéssemos com baixos níveis hormonais. Tratar essa deficiência é muito importante.

A vitamina D é produzida dentro do nosso corpo a partir da exposição à luz solar – entre 20 a 30 minutos de exposição sem protetor solar, todos os dias, é o suficiente para manter níveis adequados. Além disso, conseguimos vitamina D através dos alimentos como carnes, peixes, frutos do mar, laticínios, alguns queijos, vegetais, manteiga e ovo.

Porém, poucas PVHIV se expõem ao sol o suficiente para manter bons níveis. E nos alimentos a quantidade é muito baixa. Isso explica a alta prevalência de deficiência ou insuficiência de vitamina D.

Mas antes de suplementar é necessário realizar o diagnóstico de deficiência ou insuficiência de vitamina D através do exame de sangue 25-hidroxivitamina D. Consideramos níveis deficientes quando estão abaixo de 20 ng/mL; insuficiente quando estão entre 20 e 30 ng/mL; suficientes quando estão entre 30 e 100 ng/mL. Acima de 100 ng/mL consideramos intoxicação e existe o risco de efeitos colaterais com a suplementação.

O objetivo de suplementar vitamina D é deixar em níveis suficientes. Por isso você só suplementará se seus níveis são deficientes ou insuficientes. Não suplemente sem realizar o exame antes. Você pode estar com níveis suficientes e irá jogar o seu dinheiro fora, ou correr o risco de intoxicação.

A dose pode variar de 400 UI até 14000 UI por dia, dependendo do exame e da resposta individual. O livro “Endocrinologia clínica”, 7.ª edição, sugere doses de 7000 UI por dia ou 50000 UI por semana por 2 a 3 meses para alcançar níveis superiores à 30 ng/mL, e, após, dose de manutenção de 2000 UI por dia.

Vitamina E

A partir do estudo “Vitamin E is an effective treatment for nonalcoholic steatohepatitis in HIV mono-infected patients” publicado na AIDS em fevereiro de 2020, o uso de vitamina E está indicada apenas para pessoas com esteatose hepática.

No estudo, 27 PVH em terapia antirretroviral, com carga viral indetectável e com esteatose hepática foram incluídos. Após 24 semanas de tratamento com vitamina E 800 UI por dia, 23 (85%) participantes atingiram níveis normais de TGP, definida como abaixo de 45 UI/l. Estes níveis permaneceram normais após 24 semanas de suspensão da suplementação.

Além disso, na semana 24, observou-se a esteatose grave em apenas 41% dos pacientes, em comparação com 67% no início do estudo. A resolução da esteatose hepática foi observada em 22% dos casos.

Onze pacientes apresentaram eventos adversos durante o período do estudo. Dois relataram cansaço, dois náuseas e cólicas abdominais, dois visão turva, dois dores de cabeça, dois tonturas e um coceira. Não houve alterações laboratoriais e efeitos adversos graves. Nenhum paciente descontinuou o tratamento por estes sintomas.

Podemos concluir que, neste primeiro estudo com PVHIV com esteatose hepática, 24 semanas o uso de vitamina E 800 UI por dia diminuiu os níveis de TGP e o grau de esteatose hepática nos participantes. O tratamento foi eficaz e bem tolerado, com nenhuma desistência por efeito colateral e nenhum evento adverso grave.

Baseado neste estudo, e no protocolo da European AIDS Clinical Society, além da mudança de composição corporal através de dieta e exercício físico, e cessar o uso de álcool, drogas e cigarro, eu prescrevo a vitamina E 800 UI para os meus pacientes vivendo com HIV com esteatose hepática.

Termogênicos

Existem três termogênicos com evidências científicas melhores, porém não magníficas, relativamente baratos e que podem dar resultados. São a cafeína, o chá verde e o cromo. Todos fazem parte da minha fórmula que utilizo todos os dias e prescrevo para os meus pacientes.

Cafeína

A cafeína é um dos principais suplementos utilizados na performance esportiva. Diversas entidades esportivas consideram o seu nível de evidência A (evidência comprovada).

A revisão “Fat burners: nutrition supplements that increase fat metabolism”, publicada em setembro de 2011 na revista Obesity Reviews, concluiu que, em algumas circunstâncias, a cafeína pode aumentar o gasto energético (em repouso) ou a oxidação de gordura (em repouso e durante exercícios de baixa intensidade). A cafeína por si só não demonstrou ser eficaz na redução do peso corporal e, se aumenta o metabolismo da gordura, os efeitos geralmente são pequenos (<20%). Ou seja, associado a dieta e exercício físico pode ter valor prático significativo.

Chá verde

O chá verde é rico em polifenóis (catequinas), responsáveis por seus efeitos metabólicos, sendo a epigalocatequina a mais abundante.

A metanálise “The effects of green tea on weight loss and weight maintenance: a meta-analysis”, publicada em julho de 2009 na revista International Journal of Obesity, conclui que as catequinas diminuíram, significativamente, o peso corporal e mantiveram o peso corporal.

Outra metanálise, “Effect of green tea catechins with or without caffeine on anthropometric measures: a systematic review and meta-analysis”, publicada em janeiro de 2010 na revista The American Journal of Clinical Nutrition, concluiu que, as catequinas associadas a cafeína reduziram, significativamente, o IMC, o peso corporal e a circunferência da cintura.

Picolinato de cromo

No estudo “In patients with HIV-infection, chromium supplementation improves insulin resistance and other metabolic abnormalities: a randomized, double-blind, placebo controlled trial”, publicado em agosto de 2010 na revista Current HIV Research, houve uma redução significativa na gordura total, tronco, braço e perna, e um aumento no percentual de massa magra após 16 semanas de suplementação de cromo em PVHIV.

Não jogue seu dinheiro fora com suplementos que você não precisa

Dos que eu mais recebo dúvidas no Instagram, não indico o uso de multivitamínicos, colágeno, glutamina, caseína, albúmina, BCAA e hipercalóricos. 

Também não indico fitoterápicos, como tribulus terrestris, maca peruana, cúrcuma, gengibre, etc.

Por isso vou repetir e deixar como mensagem final deste artigo: não use suplementos porque estão na moda ou porque você viu alguém na internet dizendo que é bom. Use com sabedoria. 

Invista seu dinheiro nos suplementos com mais evidência científica, em uma boa dieta com comida de verdade e na mensalidade da academia. Isso é o que vai trazer resultado para o seu físico e sua saúde.

infectologista curitiba

Dr. Richard Portier

Graduado pela Universidade Positivo, é Médico Infectologista graduado pelo Programa de Residência Médica em Infectologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e Membro da Internacional AIDS Society.

Com grande experiência na saúde das pessoas que vivem com HIV, fez estágio no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e trabalhou na Unidade de Internamento de Infectologia e no Ambulatório de HIV/AIDS do Hospital de Clínicas – UFPR. Hoje possui um consultório privado em Curitiba onde realiza consultas online para todo o Brasil.

Sua missão é melhorar o físico, a saúde e a confiança das pessoas vivendo com HIV. 

Médico Infectologista

CRMPR 32.357

RQE 23.586

Nenhuma informação desta página e dos nossos produtos substitui uma consulta presencial com seu médico. Jamais faça nenhuma mudança no seu tratamento sem antes consultar seu médico ou profissional de saúde. É só ele quem poderá avaliar de perto a sua situação atual e decidir se você está apto ou não à essas alterações. Portanto, é imprescindível que você tenha acompanhamento médico para sua segurança. Se tiver qualquer dúvida, envie um email para richard@richardportier.com que responderemos o mais breve possível. Obrigado!

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