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Coração e o HIV: melhore seu colesterol já

Por Dr. Richard Portier

em 18 de julho de 2020.

Doença cardiovascular é o termo usado para descrever problemas no coração e nos vasos sanguíneos, como o infarto agudo do miocárdio (ataque cardíaco), o acidente vascular cerebral (derrame), angina (dor no peito), cardiomiopatia (coração aumentado), hipertensão (pressão alta) e distúrbios valvares, entre outros.

Mas por que você deve se preocupar? As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte nos EUA e é uma preocupação crescente para as pessoas que vivem com o HIV (PVHIV), pois a infecção pelo vírus pode ser mais um risco.

A boa notícia é que muitas medidas podem ser tomadas para ajudar a prevenir, principalmente com mudanças de hábitos de vida, como dieta, exercícios físicos e parar de fumar.

Neste artigo você irá aprender como a dislipidemia, que é o aumento das gorduras no sangue, prejudicam o coração e o sistema circulatório, quais são os fatores de risco para desenvolvê-la, como diagnosticá-la e como você pode prevenir problemas cardiovasculares com mudanças nos seus hábitos de vida e o tratamento com estatinas.

Usarei como referência o livro “Endocrinologia clínica”, 7.ª edição e o guideline da European AIDS Clinical Society, 11.ª edição, além de outros artigos específicos.

Como funciona o coração e o sistema circulatório

Imagine o seguinte sistema em uma casa: uma bomba, que bombeia a água até a torneira. Lá, usa-se a água, e pelo ralo, retorna ao centro de purificação. Depois de purificada, retorna à bomba, onde será bombeada novamente.

Porém, algo acontece com a bomba – ela fica mais fraca. Agora, a água não chegará com a mesma força até a pia, e terá dificuldade para voltar até a bomba novamente.

Ou se o cano entupir? A água não chegará na torneira, e a casa ficará sem água.

O nosso sistema circulatório é semelhante. O coração (bomba), bombeia o sangue oxigenado, chamado de sangue arterial, para os demais tecidos através das artérias (canos). Oxigênio que será convertido em energia pelas células.

O resultado dessa reação é o gás carbônico. O sangue então, agora com gás carbônico, chamado de sangue venoso, irá até o pulmão (purificador) através das veias, onde será novamente oxigenado, retornando ao coração onde será bombeado.

Mas se o coração ficar fraco? O sangue não chegará até os tecidos, e terá dificuldade para voltar ao coração. Ou se a artéria entupir por excesso de gorduras? O sangue não chegará ao tecido.

Você não quer que o seu coração fique fraco por causa de um infarto? Nem que as suas artérias entupam, e o sangue não chegue até o cérebro, como em um derrame?

Cuidar do coração, e do sistema circulatório, é fundamental para que o seu corpo se mantenha em pleno funcionamento.

Dislipidemia e o HIV

A dislipidemia é um distúrbio metabólico caracterizado por alteração nos níveis séricos das principais gorduras do sangue, o colesterol e o triglicerídeos.

  • Colesterol HDL, também conhecido como “bom”, remove o colesterol “ruim” do sangue.
  • Colesterol LDL, também conhecido como colesterol “ruim”, acumula nas artérias e leva às doenças cardiovasculares e outros problemas de saúde.
  • Triglicerídeos, que em níveis elevados, também aumentam o risco de doenças cardiovasculares, especialmente se você estiver acima do peso ou com a pressão alta.

O artigo “Prevalence and risk factors of high cholesterol and triglycerides among people with HIV in Texas” publicado na revista AIDS Research and Therapy em setembro de 2022, nos demonstra qual é a prevalência e os fatores associados à dislipidemia na PVHIV.

Entre junho de 2015 e maio de 2018, foram coletados dados de 981 PVHIV que participaram do programa Texas e Houston Medical Monitoring Project (MMP). Consideraram dislipidemia quando o paciente apresentava colesterol total igual ou acima 200 mg/dL, ou triglicerídeos igual ou acima de 150 mg/dL, ou quando registrado em prontuário o tratamento medicamentoso da dislipidemia.

Dos 981 participantes, 41% apresentavam colesterol ou triglicerídeos alto (n = 400). Destes, 40% estavam com sobrepeso ou 36% com obesidade.

Os fatores de risco encontrados foram a idade, índice de massa corporal (IMC) e diabetes (DM). Os pacientes com faixas etárias dos 40, 50 e ≥60 anos tiveram uma prevalência de 57%, 64% e 62% maior de desenvolver dislipidemia, respectivamente, em comparação com aqueles de 18 a 39 anos de idade. Aqueles com sobrepeso (IMC entre 25 e 30 kg/m²) e obesidade (IMC entre acima de 30 kg/m²) tiveram 41% e 30%, respectivamente, chances maiores de desenvolver dislipidemia se comparados com as pessoas com peso normal (IMC entre 18,5 e 25 kg/m²). Por fim, os que apresentavam DM tiveram uma probabilidade quase duas vezes maior de desenvolver dislipidemia em comparação com os não diabéticos.

O que podemos concluir? Primeiro, que a prevalência de dislipidemia é alta nas PVHIV. No estudo “Comorbidities and co-medications among 28 089 people living with HIV: A nationwide cohort study from 2009 to 2019 in Japan”, publicado na HIV Medicine em novembro de 2021, entre 28089 PVHIV, 39,7% tinham dislipidemia, muito próximo deste estudo.

Segundo, esta grande prevalência é explicada pelos principais fatores de risco, o sobrepeso, a obesidade e a diabetes. Hoje, aproximadamente 60% das PVHIV estão com excesso de gordura. E certa de 40% apresentam diabetes.

Diagnóstico da dislipidemia

Para o diagnóstico nós solicitamos o exame chamado perfil lipídico, conhecido também com lipidograma. Esse exame é definido pelas determinações bioquímicas do colesterol total (CT), do HDL-c, do LDL-c e do triglicerídeos (TG).

De acordo com a Atualização da Diretriz de Dislipidemia e Prevenção de Aterosclerose – 2017, os valores de referência desejáveis para adultos com mais de 20 anos de idade são um CT abaixo de 190 mg/dL, HDL-c acima de 40 mg/dL e TG abaixo de 150 mg/dL.

Porém, é a elevação do LDL-c que aumenta o risco de uma PVHIV ter um evento cardiovascular, como um infarto ou um AVC. Por isso que, após calcular através de uma equação qual é o risco cardiovascular de uma pessoa, nós utilizamos o LDL-c como alvo para orientar a terapia.

Mas nós temos um problema – as equações disponíveis para o cálculo não são precisas para as PVHIV. Por isso a estratificação e as metas de LDL-c são diferentes quando comparadas com a população geral.

Por exemplo, pessoas com doença cardiovascular aterosclerótica (DCA) diagnosticada clinicamente ou por exame de imagem; SCORE (Systematic Coronary Risk Estimation) ≥ 10%; hipercolesterolemia familiar com DCA ou com outro fator de risco importante; doença renal crônica (DRC) grave (TFG < 30 mL/min); diabetes tipo II com lesões em órgãos-alvo ou com 3 fatores de risco importantes; ou início precoce de diabetes tipo I de longa duração (> 20 anos), são considerados muito alto risco e a meta de LDL-c será de 55 mg/dL.

Pessoas com SCORE ≥ 5% e < 10%; CT > 310 mg/dL ou LDL-c > 190 mg/dL; pressão arterial ≥ 180/110 mmHg; hipercolesterolemia familiar sem outros fatores de risco importantes; DRC moderada (TFG > 30 – < 60 mL/min); ou diabetes sem lesão de órgão-alvo, com duração do DM ≥10 anos ou outro fator de risco adicional, são considerados de alto risco e a meta de LDL-c será de 70 mg/dL.

Pessoas com diabetes tipo 1 com menos 35 anos ou diabetes tipo II menos 50 anos com duração do diabetes menor que 10 anos, sem outros fatores de risco; ou SCORE entre > 1% e < 5%, são consideradas de médio risco e a meta de LDL-c será de 100 mg/dL.

Pessoas com SCORE < 1% são consideradas de baixo risco e a meta de LDL-c será de 116 mg/dL.

Tudo isso parece complicado, e é complicado, porém, para você que vive com HIV, o mais importante é saber que isso existe e cabe ao seu médico identificar qual é o seu risco cardiovascular para tomar a melhor conduta.

Proteja seu coração

Acredite, você pode fazer muito para manter baixo o seu risco de doenças cardiovasculares e manter o seu coração saudável.

Aqui estão diversas dicas práticas para você iniciar hoje:

Faça o acompanhamento médico

O lipidograma é um exame solicitado rotineiramente para as PVHIV.

Quanto mais cedo você realizar o diagnóstico, mais cedo irá iniciar o tratamento e as mudanças no estilo de vida.

Como alguns antirretrovirais podem causar o aumento do colesterol, seu médico poderá substituí-lo, caso necessário.

Pare de fumar

O passo mais crucial que você pode tomar para diminuir o risco de doença cardiovascular é parar de fumar.

O tabagismo é um dos principais fatores de risco para infarto, arritmia e derrame.

Fumar provoca acúmulo de gordura e obstrui as artérias. Além disso, danifica seus órgãos, reduz o colesterol HDL e aumenta a pressão sanguínea.

Os efeitos de parar de fumar são bastante rápidos. Sua pressão arterial diminui, sua circulação melhora e seu suprimento de oxigênio aumenta.

Essas mudanças aumentarão seu nível de energia e facilitarão o exercício. Com o tempo, seu corpo começará a se curar.

Seu risco de doença cardiovascular diminui, e irá reduzir ao longo do tempo.

Mantenha sua pressão arterial sob controle

A pressão alta, ou hipertensão, aumenta o estresse no sistema cardiovascular, que leva ao infarto e ao derrame.

Você pode diminuir sua pressão arterial através de:

Trabalhe em estreita colaboração com seu médico e monitore sua pressão sanguínea regularmente pelo menos uma vez por ano. Faça as mudanças no estilo de vida, e caso seja necessário, tome os anti-hipertensivos prescritos pelo seu médico.

Cuide da glicemia no sangue

A diabetes é um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares.

Tem efeitos prejudiciais em vários órgãos do corpo quando não tratada e pode levar ao infarto, doenças das artérias periféricas, derrame e outras complicações. Se você tem diabetes, o cuidado deve ser ainda maior.

Você diminui sua glicemia no sangue através de:

  • Alimentação saudável.
  • Exercícios físicos.
  • Controle do peso.
  • Limitar o consumo de álcool.
  • Abandonar o uso de drogas e o tabagismo.

Caso mudanças nos hábitos de vida não sejam realizadas, pode ser necessário o uso de medicamentos.

Sempre que possível, mantenha seu nível de estresse no mínimo

Claro, isso é mais fácil falar do que fazer. Viver com HIV e outras condições crônicas adiciona estresse às nossas vidas, além de todos os outros problemas da vida, pressões e responsabilidades com as quais temos de lidar.

Por isso, trabalhar a mente é fundamental.

Espiritualidade, acupuntura, massagem, meditação, ioga ou outras técnicas de relaxamento podem ajudá-lo a liberar e gerenciar o estresse.

Tire um tempo para fazer coisas com seus amigos ou doe seu tempo – seja voluntário para uma organização sem fins lucrativos ou em um hospital infantil.

Encontre um grupo com o qual possa exercitar-se ou caminhar. A interação com outras pessoas é fundamental para a sua saúde mental.

Se você estiver se sentindo deprimido ou ansioso, encontre apoio psicológico ou psiquiátrico. Estudos associaram a depressão – uma realidade para muitas pessoas vivendo com HIV – a um risco aumentado de doença cardíaca. 

Exercite-se regularmente

O exercício físico regular fortalece o coração, reduz a pressão sanguínea, melhora os níveis de colesterol, alivia o estresse, ajuda no controle do peso, diminui a resistência à insulina e ajuda a melhorar os níveis de açúcar no sangue.

Se você já tem problemas cardiovasculares, converse com o seu médico sobre o que é apropriado antes de iniciar um programa de exercícios.

Se você estiver liberado, planeje-o.

Você deve ter como objetivo 150 minutos de atividade aeróbica moderada (ou 75 minutos de atividade aeróbica vigorosa) toda semana.

Uma maneira de fazer os 150 minutos recomendados é fazer 30 minutos em cinco dias por semana. Isso inclui atividades como caminhar rapidamente, correr, dançar, nadar, praticar esportes e andar de bicicleta.

Além disso, faça exercícios de fortalecimento muscular em dois ou mais dias da semana. O exercício de fortalecimento muscular inclui musculação ou crossfit.

Coma uma alimentação saudável para o coração

A alimentação desempenha um papel enorme na prevenção de doenças cardiovasculares. É, particularmente, a mudança central que você deve realizar (além de parar de fumar!).

Primeiro, corte a ingestão de gorduras trans. Estas são quimicamente modificadas encontradas na maioria das margarinas, gordura vegetal, muitas frituras ​​e salgadinhos.

Fique com as gorduras produzidas pela natureza, especialmente gorduras monoinsaturadas, como o azeite, castanhas, sementes, peixes gordos e abacate.

Depois, diminua a ingestão de açúcar refinado, bebidas açucaradas e doces. Troque carboidratos refinados por integrais, diminuindo a quantidade progressivamente.

Além disso, comece a comer comida de verdade – muitos vegetais, frutas e legumes.

Mantenha um peso saudável

O sobrepeso e a obesidade são dois fatores de risco associados à dislipidemia. Ou seja, quanto mais gordura você perder, mais benefícios terá. Se você é homem, coloque como meta alcançar 19% de percentual de gordura. Se é mulher, 24%.

Abandone vícios

Drogas prejudicam seu coração. Cocaína, anfetaminas e ecstasy podem aumentar a pressão sanguínea e a temperatura do corpo, acelerar o coração e estreitar os vasos sanguíneos de uma maneira que aumenta muito o risco de ataque cardíaco.

Também podem causar arritmias e edema pulmonar (líquido nos pulmões que dificulta a respiração). Além disso, injetar drogas pode resultar em infecções cardíacas graves.

Se o uso de drogas é um problema para você, procure ajuda médica.

Utilize o ômega-3

O ômega-3 ajuda PHVIV com hipertrigliceridemia a diminuir os triglicerídeos altos, maiores que 150 mL/dL.

Faça o tratamento medicamentoso da dislipidemia

Além da mudança nos hábitos de vida para perder gordura corporal e ganhar massa muscular, com a dieta, o exercício físico e a suplementação com ômega-3, e cessar o uso de álcool, drogas, cigarro e esteróides anabolizantes, o tratamento medicamentoso da dislipidemia pode ser necessária.

Para o tratamento da hipertrigliceridemia, ou seja, triglicerídeos (TG) alto, eu utilizo o ciprofibrato (Lipless®) 100 mg ao dia ou o benzofibrato (Cedur Retard®) 400 mg ao dia. Porém, não são todas as PVHIV com hipertrigliceridemia que necessitam do tratamento medicamentoso. A seguir estão as indicações:

  • TG > 500 mg/dL, independentemente do risco cardiovascular.
  • Diabéticos com TG > 204 mg/dL e HDL-c < 34 mg/dL.

Para o tratamento da hipercolesterolemia, ou seja, colesterol alto, dependerá do risco cardiovascular, como expliquei no post anterior. Para cada classificação, há uma meta específica de LDL-c.

As estatinas são a primeira opção e a principal classe terapêutica para a diminuição do LDL-c. A ezetimiba 10 mg/dia encontra-se como segunda opção na intolerância às estatinas ou terapia adjuvante.

Atualmente, existem sete estatinas que diferem na sua potência para a diminuição do LDL-c: rosuvastatina > atorvastatina > pitavastatina > sinvastatina > pravastatina = lovastatina > fluvastatina. Elas são classificadas como alta, moderada ou de baixa efetividade para reduzir o LDL-c. Devem ser tomadas em dose única diária sempre à noite.

  • Alta efetividade: rosuvastatina 20 a 40 mg; atorvastatina 40 a 80 mg.
  • Moderada efetividade: rosuvastatina 5 a 10 mg; atorvastatina 10 a 20 mg; sinvastatina 20 a 40 mg; pravastatina 40 a 80 mg; fluvastatina 40 a 80 mg; pitavastatina 2 a 4 mg; lovastatina 40 mg.
  • Baixa efetividade: sinvastatina 10 mg; pravastatina 10 a 20 mg; pitavastatina 1 mg; lovastatina 20 mg; fluvastatina 20 a 40 mg.

As estatinas são bem toleradas e raramente faz-se necessária a interrupção do uso por efeitos colaterais. Sintomas musculares, como dor muscular, fraqueza e cãibras são os efeitos mais comuns.

Nas PVHIV há considerações importantes relacionadas ao uso das estatinas:

  • Deve-se evitar a sinvastatina no paciente em terapia antirretroviral, porém é a única estatina disponível gratuitamente no SUS. Seu uso é contraindicado no tratamento com um inibidor da protease (darunavir ou atazanavir).
  • No tratamento com um inibidor da protease (darunavir ou atazanavir), deve-se iniciar a atorvastatina e a rosuvastatina em doses mais baixas, enquanto a fluvastatina e a pravastatina em doses mais altas.
  • No tratamento com um inibidor da transcriptase reversa não-análogos de nucleosídeos (efavirenz e etravirina), deve-se iniciar a rosuvastatina em doses mais baixas e a atorvastatina, fluvastatina e pravastatina em doses mais altas.
infectologista curitiba

Dr. Richard Portier

Graduado pela Universidade Positivo, é Médico Infectologista graduado pelo Programa de Residência Médica em Infectologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e Membro da Internacional AIDS Society.

Com grande experiência na saúde das pessoas que vivem com HIV, fez estágio no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e trabalhou na Unidade de Internamento de Infectologia e no Ambulatório de HIV/AIDS do Hospital de Clínicas – UFPR. Hoje possui um consultório privado em Curitiba onde realiza consultas online para todo o Brasil.

Sua missão é melhorar o físico, a saúde e a confiança das pessoas vivendo com HIV. 

Médico Infectologista

CRMPR 32.357

RQE 23.586

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