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Cérebro e o HIV: como mantê-lo saudável

Por Dr. Richard Portier

em 18 de julho de 2020.

O nosso cérebro é o que nos diferencia dos outros animais – coordena todos os nossos movimentos voluntários e involuntários, nossos sentidos e sentimentos. Graças ao cérebro, somos seres racionais e emocionais, pensamos e amamos, cremos e fazemos. 

Envelhecer com boa saúde inclui manter seu cérebro saudável e ativo. Tenho certeza de que você quer chegar ao final da vida reconhecendo as pessoas que ama, ativo e cuidando de si.

Desde que a terapia antirretroviral se tornou disponível no Brasil, a demência relacionada ao HIV – a grave deterioração da função mental e física que antes era comum – agora é raramente diagnosticada.

No entanto, formas mais leves de comprometimento cognitivo permanecem em algumas pessoas que vivem com HIV (PVHIV).

Através de pesquisas recentes, estamos aprendendo mais sobre maneiras de minimizar os efeitos do vírus no cérebro.

Neste artigo você irá aprender sobre o transtorno neurocognitivo associado ao HIV, chamando de HAND, mas principalmente, como mudanças nos seus hábitos podem ajudar a preveni-lo.

O transtorno neurocognitivo associado ao HIV (HAND)

Desde a introdução da terapia anti-retroviral combinada em 1996, a infecção pelo HIV tornou-se tratável.

Antes, manifestações cerebrais, como alterações das funções cognitivas, comportamentais, motoras e autônomas aconteciam com mais frequência, porém ainda continua sendo um problema para algumas PVHIV para aquelas diagnosticadas tardiamente. 

Os termos mais antigos, como “encefalopatia pelo HIV” ou “demência por AIDS” foram substituídos pelo termo “transtorno neurocognitivo associado ao HIV” (HAND). A terminologia atual do HAND baseou-se em uma revisão de 2007 da classificação anterior de 1991.

HAND é um termo abrangente para uma série de problemas:

  • Comprometimento neurocognitivo assintomático: são pessoas com testes neuropsicológicos com resultados abaixo do esperado, porém não apresentam sintomas perceptíveis e seu dia-a-dia não é afetado.
  • Comprometimento neurocognitivo leve: são pessoas com sinais leves ou moderados no pensamento, memória, humor, coordenação e função física. Os sintomas incluem não ser capaz de lembrar coisas no qual foi informado, leu ou viu recentemente; dificuldade para se lembrar de incidentes do passado ou fatos vivenciados; dificuldade em resolver problemas e aprender coisas novas; confusão, depressão ou ansiedade; dificuldade de atenção; reflexos reduzidos; sensação de “vazio no cérebro” ou de “tontura”.
  • Demência associada ao HIV: é a forma mais rara e grave. Pessoas com demência associada ao HIV experimentam um declínio na função cerebral que interfere significativamente em suas atividades diárias e na qualidade de vida – lembra o Alzheimer nos estágios terminais.

Cérebro e o HIV

A forma da HAND causar dano no cérebro não é compreendida, mas existem vários fatores: toxicidade dos antirretrovirais, multiplicação do HIV no cérebro quando não se está tratando, reservatórios do vírus, inflamação crônica e co-infecção com outros vírus, como o da hepatite C.

Tentarei explicar da forma mais simples possível, mas caso você não entenda, não se preocupe, apenas siga o texto.

A lesão e inflamação crônica no cérebro começa por diversas maneiras.

A primeira é por lesão direta do neurônio, principal célula do cérebro, causada por proteínas do vírus, como a Tat ou a Gp120.

Estudos recentes descreveram novos mecanismos para a inflamação causada pela Tat: reduz a sinalização do receptor NLRC5, aumentando a expressão do NF-κB, que leva à ocorrência de neuroinflamação.

O impacto indireto na integridade dos neurônios também é observado durante a inflamação crônica induzida pelos macrófagos perivasculares ou células microgliais. Após a ativação, essas células imunológicas liberam toxinas como citocinas pró-inflamatórias (TNFα, IFNα, IL6, IL8, IL1β) e quimiocinas (CCL2 e CCL5), que causam dano cerebral.

Por fim, evidências indiretas demonstram a existência de reservatórios do vírus no cérebro. Mas ainda não sabemos qual o impacto clínico e sintomático disso. Apenas que, se você parar de tomar seus medicamentos, o vírus voltará a se multiplicar no seu cérebro.

Lembre-se: a terapia anti-retroviral é a melhor forma de suprimir todos os eventos descritos.

Outros fatores que podem danificar o cérebro

Além dos efeitos citados acima, muitos outros fatores podem causar ou contribuir para o dano cerebral, incluindo:

  • Envelhecimento natural.
  • Ingesta rica em carboidratos.
  • Sobrepeso e obesidade.
  • Privação de sono.
  • Estresse.
  • Depressão e ansiedade.
  • Concussão (trauma no cérebro).
  • Consumo excessivo de álcool.
  • Doença cardiovascular, hepatite C, diabetes ou doença da tireóide.
  • Deficiências de vitaminas B1 e B12.
  • Uso de drogas recreativas, como cocaína, metanfetamina, heroína, ecstasy, LSD e inalantes.
  • Doenças neurológicas, como epilepsia e esclerose múltipla.

Diagnosticando a HAND

O diagnóstico da HAND é um desafio. Os testes são demorados e seu médico pode não ter os recursos necessários para realizá-los. Os principais são:

  • HIV Dementia Scale, utilizada para detectar formas graves e moderadas de comprometimento.
  • Montreal Cognitive Assessment (MoCA), projetada para detectar comprometimento cognitivo leve.
  • International HIV Dementia Scale, validou-se para uso em populações de diferentes origens culturais, mas não deve ser utilizada para casos leves.

Se você está preocupado com mudanças neurocognitivas, o primeiro passo é fazer um registro desses problemas e com que frequência os percebe.

Se sua família, amigos ou outras pessoas ao seu redor apontarem sintomas, anote-os. 

Depois, converse com o seu médico para que faça o diagnóstico apropriado, pois algumas doenças podem apresentar sinais semelhantes com a HAND, como: depressão, ansiedade, hepatite B ou C, uso de substâncias, doença cardiovascular, diabetes, deficiência de vitamina B12, hipotireoidismo; bem como efeitos colaterais de medicamentos, incluindo alguns anti-retrovirais, como o efavirenz.

Fique atento aos seguintes sintomas, e peça para outros pessoas observarem:

  • Esquecimento frequente.
  • Sensação de “vazio no cérebro”.
  • Confusão mental.
  • Sensação de fraqueza que continua piorando.
  • Mudanças de comportamento.
  • Dores de cabeça intensas.
  • Problemas com equilíbrio e coordenação.
  • Convulsões.
  • Mudanças na sua visão.
  • Dificuldade em engolir.
  • Perder a sensação nas pernas ou nos braços.
  • Problemas de saúde mental como ansiedade e depressão.

Diminua o seu risco, reverta seus sintomas

Felizmente, você pode fazer muito para prevenir a HAND ou, se você já apresenta sintomas, minimizá-los.

Aqui estão diversas dicas práticas para você iniciar hoje:

Faça o tratamento

A terapia antirretroviral diminui enormemente o risco da forma mais grave, a demência. Desde que tornou-se disponível, as taxas caíram muito no Brasil.

Pessoas com carga viral indetectável têm probabilidade baixíssima de desenvolver a demência associada ao HIV; e se já apresentam sintomas, dificilmente pioram.

Porém, se você apresenta sintomas, converse com seu médico sobre otimizar seu tratamento. 

Abaixo está a tabela que classifica os medicamentos de acordo com a penetração no cérebro.

4 3 2 1
ITRN
Zidovudina
Abacavir Entricitabina
Didanosina Lamivudina Estavudina
Tenofovir
ITRNN
Nevirapina
Efavirenz Etravirina
Rilpivirina
IPs
Indinavir/r
Darunavir/r Fosamprenavir/r Lopinavir/r
Atazanavir/r
Saquinavir/r Tipranavir/r Ritonavir
CCR5/IF
Maraviroque
Enfuvirtida
II
Dolutegravir
Raltegravir
Elvitegravir

Tabela adaptada de Letendre, S. 2011. Central nervous system complications in HIV disease: HIV-associated neurocognitive disorder.

Quanto maior a pontuação somada dos seus anti-retrovirais, mais o seu cérebro estará protegido. Mas não se preocupe, você não precisa tirar nota 10.

Se você não apresenta sintomas, 4 é o suficiente. Porém, se apresenta sinais da HAND, quanto mais, melhor.

Faça o acompanhamento médico

A única forma de você saber se o seu tratamento está dando certo, e se seu cérebro está protegido, é através do acompanhamento médico e dos exames de rotina.

Manter a carga viral indetectável será fundamental para você proteger o seu cérebro e evitar a demência associada ao HIV.

Além disso, trate comorbidades, como a hepatite B, hepatite C, doenças cardiovasculares, diabetes, doenças renais e hepáticas, pois aumentam a inflamação no cérebro e levam a outros tipos de demência.

Coma alimentos que ajudam o cérebro

Como eu expliquei anteriormente, a inflamação causa dano nos neurônios, que podem levar a HAND. Portanto, é importante combatê-la, principalmente através da alimentação.

Coma alimentos ricos em:

  • Doadores metílicos, precursores de ácidos graxos de cadeia curta e polifenóis.
  • Ricos em vitaminas do complexo B como leite e derivados, cogumelos, soja, ovo, banana, abacate, sementes, nozes e carne.
  • Precursores de ácidos graxos como fibras de frutas e vegetais.
  • Ômega-3 como peixes gordos, castanhas, nozes, amêndoas, pistache, sementes e folhas verdes escuras.
  • Zinco, como chocolate amargo 70%, semente de linhaça, castanha de caju e ovo.
Se você está considerando suplementar, converse primeiro com seu médico ou farmacêutico, pois os suplementos podem interagir com alguns anti-retrovirais.

Exercite-se regularmente

Faça atividades físicas regularmente para ajudar a manter o seu cérebro ativo e bem oxigenado.

Portanto, planeje seu programa de exercícios e converse com o seu médico.

Você deve ter como objetivo 150 minutos de atividade aeróbica moderada (ou 75 minutos de atividade aeróbica vigorosa) toda semana.

Uma maneira de fazer os 150 minutos recomendados é fazer 30 minutos em cinco dias por semana. Isso inclui atividades como caminhar rapidamente, correr, dançar, nadar, praticar esportes e andar de bicicleta.

Além disso, faça treinamento de força progressivo em dois ou mais dias da semana. O exercício de fortalecimento muscular inclui musculação ou crossfit. 

Mantenha um peso saudável

Um dos principais objetivos é manter um peso saudável, pois você evitará a obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, doenças renais e hepáticas, todos associadas a outros tipos de demência.

Ou seja, quanto mais gordura você perder, mais benefícios terá. Se você é homem, coloque como meta alcançar 19% de percentual de gordura. Se é mulher, 24%.

Abandone vícios

Drogas e álcool causam diversos danos ao cérebro, incluindo: 

  • Alteração nos nutrientes necessários para as células do cérebro.
  • Danos diretos, lesões e morte de células cerebrais, incluindo receptores de neurotransmissores.
  • Alterações nas concentrações químicas do cérebro, incluindo neurotransmissores e hormônios.
  • Privação de oxigênio no tecido cerebral.

Uma das principais maneiras pelas quais o abuso de substâncias pode resultar em danos cerebrais é interferir nos nutrientes necessários para manter a química do cérebro.

Por exemplo, o abuso de álcool pode resultar em deficiência de tiamina, a vitamina B1, pela perda da capacidade do corpo de absorvê-la.

Essa deficiência resulta em lesão cerebral, chamada de encefalopatia de Wernicke e psicose de Korsakoff. Ambas são potencialmente fatais, causando paralisia nervosa e confusão mental, além de incapacidade de coordenar os movimentos e demência.

Portanto, procure assistência médica e psicológica para te auxiliar no processo de abandonar vícios.

Pare de fumar

O tabagismo causa doenças cardiovasculares, diabetes, doenças renais e hepáticas, todas associadas a outros tipos de demência.

É mais fácil falar do que fazer, mas você precisa parar de fumar.

Mantenha bons níveis hormonais

O hipotireoidismo pode causar uma sensação de “vazio no cérebro” muito semelhante à HAND. Portanto, é importante fazer os exames de TSH (hormônio estimulador da tireoide, um indicador indireto da função tireoidiana) e hormônios da tireóide, o T4 livre.

Se os resultados estiverem alterados, a terapia de reposição do hormônio da tireóide pode ajudar a restaurar sua energia e funções mentais.

Cuide do seu bem-estar emocional

Pessoas em estado de estresse constante, com o humor deprimido ou com ansiedade experimentam cansaço mental e função física prejudicada, principalmente por alterações hormonais.

É claro, isso também é mais fácil falar do que fazer. Viver com HIV e outras doenças crônicas adiciona estresse à vida, além de todos os outros problemas, pressões e responsabilidades com as quais você precisa lidar.

Por isso, trabalhar a mente é fundamental.

Espiritualidade, acupuntura, massagem, meditação, ioga ou outras técnicas de relaxamento podem ajudá-lo a liberar e controlar o estresse.

Tire um tempo para fazer coisas com seus amigos ou doe seu tempo – seja voluntário para uma organização sem fins lucrativos ou em um hospital infantil.

Encontre um grupo com o qual possa exercitar-se ou caminhar. A interação com outras pessoas é fundamental para a sua saúde mental.

infectologista curitiba

Dr. Richard Portier

Graduado pela Universidade Positivo, é Médico Infectologista graduado pelo Programa de Residência Médica em Infectologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e Membro da Internacional AIDS Society.

Com grande experiência na saúde das pessoas que vivem com HIV, fez estágio no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e trabalhou na Unidade de Internamento de Infectologia e no Ambulatório de HIV/AIDS do Hospital de Clínicas – UFPR. Hoje possui um consultório privado em Curitiba onde realiza consultas online para todo o Brasil.

Sua missão é melhorar o físico, a saúde e a confiança das pessoas vivendo com HIV. 

Médico Infectologista

CRMPR 32.357

RQE 23.586

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