Por Dr. Richard Portier
em 21 de junho de 2023.
Para iniciar este artigo eu faço a seguinte pergunta: qual a prevalência de transtornos de saúde mental nas pessoas vivendo com HIV?
Para responder essa pergunta eu trouxe o artigo “The prevalence of mental health disorders in people with HIV and the effects on the HIV care continuum” publicado na revista AIDS em fevereiro de 2023.
Este foi um estudo observacional com participantes vivendo com HIV da North American AIDS Cohort Collaboration on Research and Design. Foram coletados dados de 2008 até 2018.
Entre 122.896 PVHIV, 67.643 (55,1%) foram diagnosticados com um ou mais transtornos de saúde mental: 39% com transtornos depressivos, 28% com transtornos de ansiedade, 10% com transtorno bipolar e 5% com esquizofrenia. A prevalência de transtornos depressivos e de ansiedade aumentou entre 2008 e 2018, enquanto o transtorno bipolar e a esquizofrenia permaneceram estáveis. Mais de um transtorno afetou 24% das PVHIV.
O que podemos concluir? Primeiro, que a prevalência de transtornos de saúde mental são prevalentes nas PVHIV, principalmente a depressão e a ansiedade. Segundo, que a prevalência tem aumentado.
Por isso o rastreio é importante, particularmente em PVHIV com: história positiva de depressão ou ansiedade na família; episódio depressivo ou de ansiedade prévio; idosos; adolescente; com histórico de uso de drogas; uso excessivo de álcool; uso de efavirenz; socialmente isoladas; personalidade ansiosa; e múltiplos eventos estressantes da vida.
Se você tem sintomas de depressão ou ansiedade, converse com o seu médico. E não deixe de procurar assistência psicológica o quanto antes.
Para escrever este artigo eu utilizei como referência o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 5ª edição (DSM-5), o livro Tratado de Psiquiatria da Associação Brasileira de Psiquiatria, 1.ª edição e o guideline da European AIDS Clinical Society 11.ª edição.
São sintomas da depressão: tristeza; desânimo ou perda de prazer; diminuição de energia ou cansaço; alterações de apetite, do sono e da libido; alterações psicomotoras, como lentificação ou agitação; dificuldade de concentração; indecisão ou mudanças na capacidade de toma de decisões; e sintomas cognitivos e emocionais que incluem culpa, ideias de desvalia, e por vezes, pensamentos de morte, ideação e tentativas de suicídio.
Esses sintomas servem com indicadores de depressão, mas podem existir outros não descritos anteriormente.
O diagnóstico dos diversos subtipos de transtornos depressivos é realizado a partir da entrevista clínica para caracterização de sintomas, tempo de duração e prejuízos funcionais na PVHIV.
Transtorno depressivo maior: sintomas depressivos diários e persistentes na maior parte do tempo, com duração mínima de duas semanas, com intensos prejuízos funcionais, em geral, recorrentes.
Transtorno depressivo persistente: sintomas depressivos persistentes, por período mínimo de dois anos, diagnóstico anteriormente chamado de distimia.
Transtorno disfórico pré-menstrual: alterações de humor e sintomas gerais significativos (por exemplo, labilidade, depressão, irritabilidade, ansiedade, letargia, alterações no sono, apetite, libido) em período precedente à menstruação, presentes na maior parte dos ciclos menstruais ao longo de um ano.
Transtorno depressivo induzido por substâncias: quadro depressivo relacionado ao uso de substâncias ou medicamentos, como, por exemplo, o efavirenz, não explicado por outros transtornos depressivos antecedentes, sintomas breves de intoxicação ou delirium.
Transtornos depressivos devido a outras condições médicas gerais: quadro depressivo persistente relacionado à presença de doenças clínicas, não explicado por outros transtornos mentais, transtorno de ajustamento relacionado à presença de mudanças e perdas com a doença ou delirium.
Conforme o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 5ª edição (DSM-5), estes são os critérios.
Transtorno depressivo maior:
A. Cinco ou mais sintomas presentes na maior parte do dia, quase todos os dias, por período mínimo de duas semanas, sendo ao menos um deles os critérios 1 ou 2. Desconsiderar sintomas claramente atribuídos a condições médicas gerais.
1) Humor deprimido (a partir de relatos do paciente ou observação de terceiros).
2) Marcada diminuição de interesse ou prazer na maior parte das atividades.
3) Alterações de apetite/peso (aumento ou diminuição) não explicados por outro motivo.
4) Insônia ou hipersonia.
5) Agitação ou retardo psicomotor.
6) Cansaço ou diminuição da energia.
7) Pensamento de desvalia ou culpa excessiva e inapropriada.
8) Diminuição na concentração ou dificuldade para pensar ou tomar decisões.
9) Pensamentos recorrentes de morte e/ou suicídio, e/ou planos ou tentativas de suicídio.
B. Significativos prejuízos funcionais com sintomas.
C. Sintomas não podem ser atribuídos a outras condições médicas gerais ou substâncias.
D. Sintomas não são bem explicados por outros diagnósticos psiquiátricos.
E. Ausência de episódios maníacos ou hipomaníacos prévios.
Transtorno depressivo persistente:
A. Humor deprimido na maior parte do dia, na maioria dos dias, por período mínimo de dois anos.
B. Presença de dois ou mais dos seguintes sintomas:
1) Apetite (diminuído ou aumentado).
2) Insônia ou hipersonia.
3) Pouca energia ou cansaço.
4) Baixa autoestima.
5) Dificuldades de concentração ou para tomar decisões.
6) Sentimento de desesperança.
C. Durante o período de dois anos, o indivíduo nunca esteve sem sintomas por mais de dois meses.
D. Critérios para episódios depressivos podem estar presentes ao longo dos dois anos.
E. Ausência de episódios maníacos ou hipomaníacos ou ciclotimia.
F. Sintomas não são bem explicados por outros diagnósticos psiquiátricos.
G. Sintomas não podem ser atribuídos a outras condições médicas gerais ou substâncias.
H. Significativos prejuízos funcionais com sintomas.
Hoje, existem mais de 20 antidepressivos disponíveis no Brasil. Não há evidências que demonstram superioridade de um medicamento quando comparado a outro, por isso, a escolha baseia-se em outros critérios e deve ser individualizada.
O primeiro passo, caso o paciente faça o tratamento do HIV com efavirenz, é trocá-lo. Sabemos que o principal efeito deste antirretroviral são os sintomas neuropsiquiátricos, por isso está contraindicado em pacientes com depressão ou que tenham predisposição à depressão.
Em relação ao dolutegravir, existem estudos demonstrando uma associação, enquanto outros não. Ou seja, ainda não sabemos. Por não existir uma indicação protocolar para a substituição do dolutegravir neste caso, eu não faço a troca inicialmente. Apenas se, mesmo com o tratamento otimizado ou com trocas de antidepressivos o paciente não melhorar dos sintomas, eu penso em substituí-lo.
O segundo passo é escolher um antidepressivo, e verificar se não há interações medicamentosas com os antirretrovirais. Caso não exista interação, deve-se iniciar com a dose mínima por causa dos possíveis efeitos colaterais.
Durante as primeiras duas a quatro semanas o objetivo estará na tolerabilidade e na melhora dos sintomas. Caso tenha melhora parcial com uma boa tolerabilidade, deve-se otimizar a dose. Se depois de seis a oito semanas houver remissão completa dos sintomas, e o paciente não tem risco de recorrência, deve-se manter o tratamento por 6 a 9 meses. Caso tenha risco de recorrência, deve-se manter por 2 anos ou mais.
Porém, caso o paciente não apresente melhora inicial, deve-se otimizar até a dose máxima, e aguardar até 12 semanas de tratamento. Se mesmo assim não houver melhora, existem três alternativas possíveis: potencialização, combinação ou troca.
A potencialização é acrescentar um medicamento não antidepressivo para potencializar o antidepressivo, como o lítio, a triiodotironina ou antipsicóticos atípicos. Essa estratégia é boa quando o paciente apresenta resposta adequada, mas os efeitos colaterais impedem o uso na dose plena.
A combinação é utilizada quando apenas um antidepressivo não leva a remissão dos sintomas. Deve-se escolher um antidepressivo com outro mecanismo de ação ou que possa melhorar um sintoma específico, por exemplo, insônia.
A troca está indicada em três situações: (1) o paciente não obteve resposta apesar de doses e tempo otimizados; (2) os efeitos colaterais não são tolerados; e (3) o custo impossibilita a continuação do tratamento.
A ansiedade é um estado mental natural e fundamental para a sobrevivência do ser humano. É suscitado em antecipação a uma ameaça ou a uma ameaça potencial, resultando em um estado de maior vigilância. Porém, quando persistente, disruptiva ou desproporcional ao perigo real, pode ser debilitante e considerada uma doença.
O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais 5ª edição (DSM-5) divide a ansiedade patológica tem 7 transtornos:
Transtorno do pânico: caracterizado por ataques de pânico recorrentes, que são períodos de ansiedade e desconforto intenso, sem qualquer gatilho, acompanhados por sintomas somáticos.
Agorafobia: medo de locais ou situações (por exemplo, transporte público, multidões) dos quais a fuga pode ser difícil ou em que a ajuda pode não estar disponível.
Transtorno de ansiedade generalizada: os pacientes sofrem de ansiedade e preocupações excessivas, acompanhados por sintomas como inquietação, irritabilidade, dificuldade de concentração, tensão muscular, distúrbios do sono e fadiga.
Fobia específica: medo excessivo ou irracional de objetos isolados ou situações (por exemplo, medo de voar, de ver sangue, de altura ou de animais).
Fobia social: medo persistente e irracional de ser observado ou avaliado negativamente por outros em situações de desempenho social ou interação. Associado a sintomas de ansiedade somática e cognitiva.
Transtorno de ansiedade de separação: experiência de sofrimento excessivo quando a separação de grandes figuras de apego é antecipada ou ocorre. As pessoas se preocupam com o bem-estar ou a morte potencial das figuras de apego, particularmente quando separadas delas, e se sentem compelidas a permanecer em contato.
Mutismo seletivo: fracasso persistente para falar em situações sociais específicas em que existe a expectativa para tal (por exemplo, escola), apesar de falar em outras situações.
O guideline da European AIDS Clinical Society 11.ª edição sugere o uso da Ferramenta de Triagem de Transtorno de Ansiedade Generalizada-2 (GAD-2), validada para pessoas vivendo com HIV (disponível aqui).
Se a pontuação de corte do GAD-2 for igual ou mais que 3, realizam-se as seguintes perguntas para diagnosticar o transtorno de ansiedade generalizada:
É fundamental o diagnóstico diferencial com outros transtornos de ansiedade e a exclusão de hipertireoidismo, hipoglicemia e hiperadrenocorticismo. Também é necessário excluir excesso de cafeína e uso de estimulantes (como cocaína, metanfetamina, anfetaminas).
Os antidepressivos e os benzodiazepínicos são considerados medicamentos farmacológicos de primeira linha para o tratamento da maioria dos transtornos de ansiedade, com exceção de fobia específica.
Os antidepressivos mais utilizados são os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) e os inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSNs). A seleção de qual medicamento utilizar é individual, e baseia-se na resposta prévia, caso já tenha tratado anteriormente, na preferência do paciente e nos efeitos colaterais.
Os benzodiazepínicos são bastante eficazes. Sua grande vantagem é a melhora rápida dos sintomas. Porém, o abuso pode causar dependência. Por isso devem ser usados com cautela ou não devem ser utilizados em pessoas com histórico de abuso de álcool e outras substâncias.
Outros antidepressivos, como tricíclicos e inibidores da monoaminoxidase, estão sendo menos utilizados, porém são eficazes e têm sua utilidade, principalmente no transtorno de ansiedade generalizada. Outra opção são os anticonvulsivantes que modulam a sinalização do GABA, como gabapentina ou pregabalina, buspirona e bloqueadores β-adrenérgicos.
Hoje existem diversas classes e medicamentos para o tratamento do transtorno depressivo e do transtorno de ansiedade. Eu irei abordar os principais medicamentos para o tratamento na PVHIV, quais são suas doses iniciais, doses padrão e qual o risco dos principais efeitos colaterais.
Em relação aos efeitos colaterais, para não ficar repetitivo, usarei os seguintes sinais para classificar o risco: (-) sem risco; (+) risco moderado; e (++) alto risco.
Paroxetina:
Sertralina:
Citalopram:
Escitalopram:
Venlafaxina:
Duloxetina:
Mirtazapina:
Alprazolam:
Clonazepam:
Graduado pela Universidade Positivo, é Médico Infectologista graduado pelo Programa de Residência Médica em Infectologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e Membro da Internacional AIDS Society.
Com grande experiência na saúde das pessoas que vivem com HIV, fez estágio no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e trabalhou na Unidade de Internamento de Infectologia e no Ambulatório de HIV/AIDS do Hospital de Clínicas – UFPR. Hoje possui um consultório privado em Curitiba onde realiza consultas online para todo o Brasil.
Sua missão é melhorar o físico, a saúde e a confiança das pessoas vivendo com HIV.
Nenhuma informação desta página e dos nossos produtos substitui uma consulta presencial com seu médico. Jamais faça nenhuma mudança no seu tratamento sem antes consultar seu médico ou profissional de saúde. É só ele quem poderá avaliar de perto a sua situação atual e decidir se você está apto ou não à essas alterações. Portanto, é imprescindível que você tenha acompanhamento médico para sua segurança. Se tiver qualquer dúvida, envie um email para richard@richardportier.com que responderemos o mais breve possível. Obrigado!
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